Carnavais do Pierrô: O Bloco

Hoje é carnaval aqui, amor. Todo mundo está nas ruas e nas redes curtindo, jogando confetes, entornando cerveja avenida afora.... De repente todo mundo se esqueceu da vida, eu sei lá...

Resolvi sair de casa, dar uma volta com as crianças, leva-los à matinê e para tomar um sorvete. Nada melhor que um sábado de carnaval para gerar neles o amor por serem daqui do Brasil, não concorda? Não se preocupe, cuidei bem deles. Assim, o banho foi meio tumultuado, a caixa d’água estava pela metade na hora em que saímos. Mas eu e os meninos tomamos banho juntos, foi até divertido. Nada grave

Bem, tivemos de ir andando para a avenida; a passagem do ônibus aumentou e o pagamento ainda não saiu. Tinha que escolher, e escolhi que iríamos andando, tomaríamos o sorvete e voltaríamos de ônibus. Mas conseguimos carona para a volta.

Lá na rua montaram um parquinho com piscina de bolinhas, tobogã e pula pula para as crianças. Então, amor, o Tim machucou a testa, caiu da escada da cama elástica, só que não foi nada grave, apenas um raladinho. Já até lavei as roupas. Fiz isso na casa da sua mãe, usei a máquina de lavar e água dela.

Tomamos sorvete e fomos para o bloco. O spray de espuma está mais caro, agora custa R$ 8,00. Comprei um, os meninos queriam. Até souberam dividir bem, fiquei surpreso. A minha cerveja ia ficar para outra ocasião, porque Naldinho inventou de comer churrasquinho e o Tim também entrou na onda. Por sorte o padrinho do Naldinho estava com aquela barraquinha. Fui para lá, sabia que não ia pagar! Foi até bom, sabe amor?!

Quando estávamos na barraca, o bloco veio. Os meninos ficaram apaixonados. Meu irmão estava lá puxando o samba; ele e outros amigos nossos levaram os garotos para pular no bloco, na matinê e na guerra de pão. Engraçado isso de as padarias fornecerem pão velho para uma guerra no jardim entre os foliões. Logo agora que todo mundo está quebrado, está duro, sem pagamento, mas também está com amnésia...

Eu e o padrinho do Naldinho tomamos umas cervejas por conta dele. Até chorei.... De barriga vazia o álcool logo subiu para a cabeça. Quando os garotos voltaram me disseram que o bloco desfilou na frente da velha escola. O Tim perguntou quando começam as aulas dele. Eu disse que será logo logo, mesmo sabendo que faz duas semanas que as aulas voltaram e que já faz um mês que não tem vaga para matrícula. Para eu me aceitar em mais essa mentira eu pedi outra cerveja...

Meu irmão trouxe a gente para casa, deu banho nos meninos e em mim. Fez um café forte, amargo. Só não era tão amargo quanto a vida. Eu já vomitei de novo, mas estou bem. Agora eles estão dormindo. Eu estou te escrevendo no escuro, esquecemos de pagar a luz, amor. Amanhã cedo deixarei as coisas da geladeira e os meninos na casa da minha mãe antes de ir para a reunião do sindicato. Consegui um bico de garçom para o final da tarde e noite; são R$ 50,00 por dia. Enquanto o pagamento não cai, é isso o que vai ajudar a gente.

Agora vou dormir porque ainda tenho 3 horas para descansar até a hora de levantar. Naldinho dormiu com fome, coitado. A barriga dele acabou de roncar, mas só tem um leite ali. Comprarei outro amanhã antes de ir pro restaurante.

O bloco hoje era o retrato da gente, sabe? O povo pulando, rindo, brincando.... Todo mundo fazendo de conta que está tudo bem, tudo em ordem. A prefeitura fazendo festa para as crianças que estão sem escola, sem merenda e sem a tia. Sei lá, não culpo as pessoas. Elas pulam, fingem, se esquecem. Eu bebo!

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 29/05/2018
Reeditado em 13/01/2019
Código do texto: T6349561
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