Um Cidadão Comum
- Crônica do dia 29-05-2018 -
Um carro para no portão de um edifício residencial, o porteiro olha pela sua janela, o motorista abaixa o vidro e com rosto sem expressão, olha para o porteiro e acena com a cabeça.
O portão automático sobe. O carro entra para o subsolo, onde fica o estacionamento, escuro, pouco arejado e apertado, com uma infinidade de chances de se bater.
Desliga o carro, encosta a cabeça no recosto da poltrona do carro, suspira profundamente... Comprime um pouco as extremidades dos lábios... Expira de repente! E fica pensando agora em sair do carro, chamar o elevador, esperar ele chegar, deixar as pessoas desembarcarem, entrar, e dividir um espaço minúsculo com outras tantas pessoas que também vão subir, esperar sua vez de apertar o botão com o andar de sua escolha.
Se enjoar com o perfume das classe médias incorporadas em madames peruas, farejar os gases provenientes da decomposição dos “fast-foods” consumidos pelo seu vizinho “fitness”, e, ou, subir ouvindo alguém falando mal do Lula e dos “petralhas”, quando não , exaltando Adolf Bolsonaro e tietando o Moro, ou, ouvir essas senhoras perfumadas falando de compras e do quanto o seu poodle come e a variedade das suas refeições.
Sair do elevador, percorrer o corredor à sua direita para chegar ao seu apartamento no qual se sente sufocado, entediado, sussurrando para não incomodar os vizinhos e nem deixar que os outros saibam de sua vida, não se sente feliz. Mas... Se sente seguro!
Tirar as chaves do bolso, verificar qual é, suspirar fundo, comprimir um pouco as extremidades dos lábios, dar de ombros, colocar a chave na fechadura, e, dar duas voltas para esquerda. Regra da casa, todos devem dar duas voltas à direita para trancar as portas de sua casa e de seus corações.
Entrar e ver cada um em seu quarto com seus aparelhos eletrônicos... Trancados em seus próprios mundos... Preocupados com suas próprias vidas...
Mas agora está fazendo cursos em sua igreja e terapias para casal com psiquiatras e psicólogos de renome para alcançar um nível de abstração e suportabilidade do que lhe incomoda naquele que não ama mais! Então agora acredita que vai conseguir ser feliz com ela, porque ele está fazendo tudo certo...
Ele trabalha feito um boi, é fiel à esposa, paga o dízimo na igreja, dá ofertas, faz até campanha! Não bebe, não fuma, não consome maconha! Vai para a igreja em TODOS os cultos, e o que lhe resta é o tormento em sua mente da pressão lhe põe... Mas ele já tem a solução pra isso também... Alguns remedinhos suaves que vão torná-lo manso e castrado...
E... Ele sacode a cabeça... Olha para o elevador... Resolve voltar para a rua e andar pela cidade.
Olha para os bares... Pessoas conversando, bebendo... Fumando... Rindo... Dançando... Felizes...
Um boêmio num violão bem tocado cantava “Dona da Minha Cabeça” de Geraldo Azevedo, e trocava olhares com uma mulher bonita que estava sentada na cadeira da frente. Ela sorria abertamente com seus olhos brilhando... O Boêmio cantava e sorria pra ela com o olhar de uma felicidade tranquila...
Ela dava um gole de cerveja e lambia os lábios de forma discretíssima, porém, sensual. Entre piscadelas que o dava...
Para com os braços cruzados na calçada do bar, estarrecido, e compara... Onde tem mais gente feliz? Nas igrejas ou nos bares?
Ele comprou tudo o que lhe disseram que precisava para ser feliz... Casou-se com uma mulher bonita, comprou um apartamento, tem um carro, filhos saudáveis e inteligentes, tem dinheiro guardado no banco, uma profissão intelectual, uma televisão de LED de sessenta polegadas com leitor de voz!
Se abstém de todos os prazeres que lhe são proibidos, e suporta a aflição porque sabe que o diabo atenta mais ainda aqueles que estão do lado de Deus... Que a felicidade não é neste mundo, e sim no reino eterno de Deus!
Suspira profundamente... Comprime um pouco as extremidades dos lábios... Expira lentamente... E dá de ombros... Abaixa a cabeça e volta para casa... Tem um milhão de reais em dívidas que precisa pagar até o final da vida...
Graciliano Tolentino
29-05-2018
08:45