A garagem vazia

O tempo passa, os dias mudam e uma hora a hora chega. Havia chegado então. Eles arrumaram suas coisas, seus utensílios, coisinhas e histórias, algumas roupas foram dobradas, uns sentimentos colhidos, alergias adquiridas, mas os olhos brilhantes não foram guardados. Isso era de verdade um presente, saber que pessoas se sentem bem perto de nós.

Aos pouquinhos foram colocando as malas que carregavam lembranças no porta-malas do carro ao passo em que deixavam um pedacinho de si em cantinhos da casa, do quintal, dentro dos armários e em mim. Penduradinhos no portão ficaram pequenos tchaus que evitamos dar. Ora o mesmo portão se abriu sendo arrastado por todo o trilho; as portas bateram, o carro foi ligado e a partida foi dada. Uma poeira terrenta erguia-se atrás do veículo à medida que ele avançava seu trajeto, seu caminho, seu alçar. O retinto portão voltou a seu lugar e só. Agora, silêncio.

As camas e os quartos permaneceriam arrumados agora. Nenhum chinelo seria deixado na lavanderia, a quantidade de louças diminuiria, porque o barulho diminuiu. Sodade! Porém deixe-me explicar que esse silêncio não é triste. Essa sodade não é triste, porque nenhuma sodade é triste. Ninguém deixa sodade a toa, sem ter feito bem, sem ter feito o bem e ninguém sente sodade sem ter amado. O silêncio estava repleto de lembranças, de boas histórias e frases soltas, daquelas que se colhe no ar de forma avulsa e todos se espantam, só que o riso segue a surpresa.

Esse silêncio estava mais para uma dessas comemorações, tipo final de campeonato, onde se estouram vários fogos de artifícios coloridos. Era bem assim, agora parando pra pensar. Pipocavam nas lembranças da cabeça as vozes daqueles dias, rindo, cantando, falando de si um bocadinho, querendo de mim outro pouquinho, doando a mim seus tudinhos. Que vontade de viver assim, cercado dessas loucuras sem perdições!

De certa forma, é até bom a garagem estar vazia. Pois só assim há um espacinho a mais para guardar caixinhas com o montante de sentimentos, afeições, aprendizados e até esporros que ganhei. E lá também são guardadas as caixinhas com os projetos pro próximo reencontro e os questionamentos sobre o que estaria ou estaríamos fazendo se a garagem não estivesse vazia.

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 26/05/2018
Reeditado em 13/01/2019
Código do texto: T6347220
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