Era 24 de maio...

Nada faria ela sorrir novamente. Os seus dias eram tristes, seu olhar era de ausente. No espelho em frente se via a imagem triste de uma mulher sofrida, mal cuidada, profundamente desiludida.

O dia se foi mais uma vez, no escuro do quarto ela caminhou os sete passos que já conheciam a direção da cama. Joana bateu na porta. Ela não respondeu. Joana entrou devagar no aposento e viu que ela parecia dormir. Saiu para fora da casa aliviada onde as amigas a esperavam aflitas para irem ao samba. Joana deixava a mãe dormindo, sabia que os remédios a deixariam desacordada até o dia seguinte. Não desconfiava que iam para o vaso sanitário, tão logo se ausentava. Escondia embaixo da língua e depois o cospia. Maria queria mesmo era morrer.

Depois que perdera o filho num acidente, sua vida era uma vela apagada. A chama foi diminuindo a cada dia, a depressão se instalou e ela nunca mais quis ver a rua.

Um dia Joana a levou à igreja. O padre rezou para ela, aspergiu água benta. Mas o coração dela, ele não tocou. Uma semana depois foi a vez da D. Conceição, a vizinha espírita se condoeu. Foi até a sua casa com umas amigas, oraram e pediram à espiritualidade amiga. Mas parecia que essas almas do além, por tão boas que fossem, a deixaram sem o amparo prometido pela companheira de porta há tantos anos.

Joana já tinha tentado de tudo. Até à Umbanda recorreu. Nada de sua mãe deixar o torpor. Só a medicação que parecia, não fazer efeito mais.

Joana decidiu não tentar mais nada. Resolveu cuidar da sua própria vida para não cair na mesma sina de sua progenitora.

Um dia Maria se assentou frente ao espelho. Logo após se desfazer dos comprimidos. Pensou em quebrar e usar uma lasca... Mas ao piscar viu uma luz que tremia, tal qual vela, no canto esquerdo da moldura.

A chama prendeu o seu olhar... Não sabe por quanto tempo ficou fitando a luz bruxuleante. Depois sentiu que seus pés estavam imersos numa espécie de lodo. Achou conveniente permanecer ali. O lodo era macio... Frio mas envolvente. Sentiu que o lodo era como a força que a segurava todos os dias. Não a deixava se levantar e caminhar. Por um tempo até gostou mas depois se incomodou. Tentou sair dali, mas tinha alguma resistência. Suas pernas imobilizadas já apresentavam câimbras. Fez um esforço maior e viu do lodo, junto ao seu corpo, emergir um talo. O caule da planta foi crescendo junto ao seu corpo e do lado oposto da chama ela viu uma flor de lótus se desabrochar. Mil pétalas foram abrindo uma a uma. Maria observou atentamente... As imagens do espelho pareciam reais. Ela não tomava a medicação há dias, não seria efeito colateral.

Maria começou a ter medo, mas ao mesmo tempo sentia o hálito da bem-aventurança. Pensou que seria a morte mas depois constatou que a vida ainda lhe animava o corpo.

A imagem do lótus ali lhe deu uma vontade de ver seu jardim. Levantou-se tomou banho, penteou os cabelos. Foi até a cozinha e comeu uma fruta. Saiu para a varanda que dava num jardim. Sentou-se no banco de metal que estava ali há tanto tempo à espera de alguém.

Sorriu ao ver que borboletas amarelas sobrevoavam as plantas que se misturavam ao mato. Joana não tinha tempo de cuidar das flores... Pensou.

Levantou-se, removeu umas heras e outras ramas que enfeiavam seu canteiro. Decidiu afofar a terra. Pensou em ter lírios... Onde encontrar?

Passaram três dias, Joana ficou tão alegre com a mudança da mãe que lhe trouxe lírios. Ela os plantou no jardim... Decidiu dedicar o jardim à Jardel, mas de uma forma diferente. Não sentiu mais tristeza pela ausência do filho. Passou a sentir sua presença.

Um mês depois a casa estava em festa. A neta voltava do exterior com tanta energia. Encheu a casa de amigos, fizeram uma festa! Os olhos de Maria eram outros e cruzaram demoradamente com os olhos de Agnaldo, quando ele veio buscar a amiga da aniversariante. Ele, um homem viúvo, gostava de cinema... Maria recebeu com alegria um telefonema... Foram dias diferentes aqueles... Joana se casou e foi para outra cidade, a neta voltou para o estrangeiro e Agnaldo veio morar com Maria, no mesmo mês que voltaram de um cruzeiro.

No canteiro... Lírios da paz!

Cláudia Machado

24/5/18

Dia de Guru Rimpoche

Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 25/05/2018
Reeditado em 25/05/2018
Código do texto: T6346310
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