No dia dos meus anos

No dia dos meus anos, eu caminhava sozinho enquanto escurecia. Já havia pouca gente na calçada, mas vinha um homem na direção contrária. Ele me viu e decidiu me abordar. Pedia dinheiro. Menti que não tinha e, como para provar minhas palavras, bati com a mão no bolso. Minhas chaves estalaram, e de certo o homem achou que eram moedas. Mostrei-me espantado com a descoberta das moedas no bolso e resolvi dar a ele algumas que realmente carregava comigo. Mas o homem achou pouco, disse que não era suficiente para comprar o pacote de fraldas das suas crianças. Eu não queria dar mais nada para ele e por isso voltei a caminhar, mas ele se manteve andando ao meu lado e tentando me convencer a dar a ele ao menos dez reais. Argumentou que preferia pedir a roubar e assegurou que Deus iria me abençoar. “Não tenho trocado”, menti. E continuamos andando.

Chegávamos a uma parte perigosa da cidade. Havia uns três ou quatro botecos ali por perto com alguns tipos suspeitos à entrada. O homem sugeriu que fôssemos até um deles para trocar o meu dinheiro. Perguntei se não seria melhor ir a uma farmácia, onde eu mesmo poderia comprar as fraldas, mas ele fez de conta que não ouviu. Como eu insistisse, ele respondeu que o melhor era dar o dinheiro, porque aí ele compraria perto de casa, onde era mais barato. Ele começou a falar nos filhos, gêmeos, enquanto caminhávamos até um dos botecos, em busca de um trocado que eu já tinha comigo, mas não confessava.

Foi o próprio homem que tomou a iniciativa de perguntar ao atendente se ele trocava nota de 50. Mas não trocava, nem ele nem nenhum atendente dos outros botecos do lugar. Um dos tipos suspeitos que tomava cerveja nos chamou e disse que poderia ajudar. Ele sabia onde trocar. “Me dê a nota”, pediu. Eu dei. O homem se levantou e foi até um dos botecos em que já havíamos perguntado. Também ele, é claro, nada conseguiu por ali. Então eu e o homem das fraldas notamos que o sujeito começou a se afastar. Temendo ficar sem a nota, corremos atrás dele.

O sujeito se mostrou surpreso por pensarmos que ele estava tentando fugir. “Sou bastante conhecido por aqui”, explicou. “Esse aqui, por exemplo, eu conheço há muito tempo, não é não, meu chapa?”. E apontou para o jovem segurança de um prédio por onde passávamos. O rapaz, entretanto, se atrapalhou e respondeu: “O senhor deve estar me confundindo...”. Nós continuávamos a caminhar, e agora eu já não tirava os olhos do sujeito com a minha nota. Ele se virou para mim, reparou melhor na minha triste figura e perguntou: “Es brasileño?”. A pergunta fazia crer uma resposta negativa. Devo ter a ingenuidade de um turista. Respondi, seco: “Sim”. Ele se divertiu muito com a minha resposta, que parecia formal. E começou a me imitar: “Sim. Sim”. Íamos em frente.

Chegamos a mais um barzinho, mas também ali não quiseram trocar a nota. Mas havia um senhor que bebia e se dispôs a ajudar. Ele tirou do bolso um maço de notas e trocou a minha. O sujeito recebeu o dinheiro e o passou às minhas mãos: “Não disse que eu conseguia?”. Para a minha surpresa, ele não pediu comissão nenhuma. Voltou por onde viemos. O homem das fraldas é que me chamou de lado e pediu os seus dez reais. Paguei como se fosse uma dívida. Ele me aconselhou a sair dali o mais rápido possível, de preferência por outro caminho. Olhei ao redor e pensei se havia mais coisas para acontecer naquela noite. Fui embora. Era o dia dos meus anos.

milkau
Enviado por milkau em 23/05/2018
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