A Mulher e o Diabo do Urologista

In memoria D. Nilza Moraes

A vida é mesmo surpreendente, assim como as mulheres em suas artimanhas de convencimento naquilo que elas desejam. Seja para se tomar um pequeno comprimido de doril ou, ainda, arranjar-se uma eterna dor de cabeça; com ou sem barulho, elas atingirão em cheio os seus alvos.

E somos nós historicamente alvejados desde os primórdios, a retórica cumpre-se de Eva à Dilma, meu consolo, no entanto, é a certeza de que cada leitor ”enlaçado”, tenha em casa, junto aos amontoados de meias e cuecas, passagens que beiram de conquistas às tragédias, momentos de glória, momentos inglórios ou dor.

O fator RH da vida conjugal em certo grau de tensão é imprevisível. E esta imprevisibilidade estará ciclicamente à nossa espreita, aguardando o tempo certo para todas as coisas se posicionem no degrau da persuasão (para alguns no batente da imposição), mas seja por um ou outro caminho, sempre teremos o decisivo “empurrãozinho da cumplicidade” encerrando a questão.

Eu poderia considerar-me um homem sortudo, pois não me recordava de nenhum insucesso, antes todas as trombadas que havíamos dado, me faria saltar alguns degraus acima; mas dias atrás, estive talvez na situação mais inusitada e tragicômica de minha vida, não fosse mais cômica do que trágica, eu não teria coragem de relatar os fatos, mas o que me encanta na crônica é o enredo, mesmo que surreal e desagradável, a tentação do cronista está intrínseca a oportunidade de se contar um conto, às vezes, aumentando um ponto.

Vejo com admiração, quantas coisas mil minha mulher se encarrega. Casa. Comida. Filhos. Marido. Amigos. Vizinhos. Trabalho. E nesse rol de relacionamentos e afazeres, ela tornou-se uma especialista em áreas diversas com muitas funções e atividades. Chef de iguarias culinárias. Psicóloga da “arte do aconselhamento adulto. Mestre em educação infantil”. Meteorologista com dotes da previsibilidade sobre clima e tempo. Administradora em tempo integral. Contadora do lar. Locutora de acontecimentos cotidianos.

Confesso que o mais impressionante nestes muitos anos de vida conjugal, fora sua desenvoltura para as ciências medicinais. E minha doutora medica como ninguém. Só não tirou diploma, mas em casa temos quatro prateleiras lotadas de remédios a curar moléstias perniciosas, além de uma aparelhagem que trata de pulso à pulmão.

Mais assim como o primeiro dos homens confiou piamente em sua adjutora, pus-me, desde cedo, a depositar minhas consultas médicas em suas mãos e, quando ela não consegue diagnosticar o problema da vez, põe-se apontar as patologias minhas de cada dia no cirúrgico agendamento de consultas clínicas.

Recentemente aparecera-me uma forte dor ao lado da barriga (que depois de muito “sofrimento” e ultrassom, descobriu-se tratar de uma tal diverticulite) que já durava quase um mês na minha labuta de idas e vindas quilométricas e, para piorar o quadro, estaria acometido de forte diarreia. Mais continuava firme com minha dor, ratificando o refrão das paradas de sucesso, pois “um homem não chora e não pede perdão”.

Havia chegado ao meu extremo, estava debilitado, mas sabia que minha escudeira estava providenciando minha cura. À tarde ela me liga e me diz que agendou uma consulta e que fosse direto ao “Medical Center” para examinar-me e que ficaria tudo bem, “amor”.

Naquele dia fúnebre, meu cérebro já não faria mais nexo-causal entre doença e especialista; quando percebi estava frente a frente com o mais temido de todos os médicos. Tentei embasar-me na idade, engrossei a voz e disse ao “dotô” que tinha apenas 39 anos, pois a lenda que pairava no meio másculo seria que este procedimento preterido pelo esculápio seria indicado para maiores de 40, pensei, estou salvo.

De fato, se a mulher tem a sua artimanha e franqueza para dar seu jeitinho nas coisas do dia-a-dia, descobri que o “djiabo do urologista” tem um propósito exclusivo em clinicar seus pacientes; talvez a técnica do exame seja mais psicológica de que procedimental, o sujeito fora rápido no gatilho e após algumas massagens no abdômen, não deu outra. Energúmeno miserável! Mediante a pressão física e psíquica, lembrei-me da caganeira e o que aconteceria no pós-exame, mas sobrevivi para contar a “história”.

E assim é a vida como ela é (com ou sem vergonha, com perfil oculto ou público em redes sociais, o fato fora consumido), entre dores e dissabores, me consolo mais uma vez em saber que cedo ou tarde, aquele que está a sorrir de minha desventura, irá passar por isso também; difícil será relatar sobre o acontecido e tomara que assim como eu, depois de tudo transpassado, este tenha motivos para sorrir e saber que o sol voltará a brilhar para todos.

Doutora Nilza, esse “Home Care” que tu me oferecestes, numa próxima vez, inclua no pacote uma terapia intensiva para que não venha contar causos pessoais publicamente.

Samuel Moraes

15/06/2016

Sidrônio Moraes
Enviado por Sidrônio Moraes em 20/05/2018
Código do texto: T6341492
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