A Mulher do Bar

Eu sempre gostei de visitar a casa da minha avó, em uma cidadezinha do interior, uma cidade tranqüila, pacífica, acolhedora e muito nostálgica. É importante saber que a casa da minha avó fica de frente pra um bar, cheio desses homens velhos que ficam jogando sinuca e mexendo com toda mulher que passa na frente. Já por esse motivo, eu sempre vou para a casa dela pela rua de baixo.

Esses dias resolvi fazer uma surpresa, pois havia acabado de chegar na cidade e sabia que ela estava em casa, provavelmente assistindo a sua novela. O que eu já deveria saber é que existe duas coisas que gente idosa gosta de fazer: ver novela e cuidar da vida dos outros. Entrei pela porta dos fundos, já me preparando para gritar “surpresa!”, quando me deparo com a seguinte cena: minha avó, uma senhora de setenta anos vestindo seu pijama habitual, escondida atrás da cortina no canto da parede, observando o bar como um espião russo se preparando para o ataque. Ela estava tão concentrada que não se deu conta da minha chegada.

- Que isso, vó? – perguntei.

- AI, QUE SUSTO! – minha avó deu um pulo, colocou a mão no coração e deu risada – Não vi você chegar!

- Também, faz meia hora que a senhora está aí olhando pro bar...

- Vem, Noelle, vem ver... – ela me chamava pra olhar também.

Curiosa, me escondi do outro lado da cortina e comecei a observar. Alguns homens jogando sinuca e um deles fumando um cigarro na porta. Concentrei-me em olhar para o cigarro, pensando que poderia ser alguma droga, mas não vi nada fora do normal.

- O que,vó? Só os caras de sempre jogando sinuca...

- Não! Olha direito, lá do outro lado!

Notei uma mulher de aparentemente trinta anos, loira, tomando uma cerveja.

- A mulher? – perguntei, ainda sem entender – O que tem ela?

- Onde já se viu... – minha avó já havia fechado a cara – Essas horas e já ta no bar tomando cerveja, no meio de um monte de homem... , Piranha, biscatona!

"Biscate" é um termo bem pejorativo em algumas cidades do interior.

- Credo, vó, deixa a mulher! – eu já estava quase indo tomar uma cerveja lá também – E são nove horas da noite de sábado!

- Mesmo assim, - ela continuava – ela está todo dia nesse bar, não deixa de ser uma biscatona!

Ignorei e fui para a cozinha. Nós jantamos e conversamos. Ela me perguntou como estava a faculdade, mas sempre de olho na janela. Algum tempo depois me despedi e disse que voltaria no dia seguinte para almoçar.

Como havia prometido, cheguei na casa dela um pouco antes do almoço. Ela estava na cozinha, fazendo o famoso nhoque que eu tanto gostava.

- Quer ajuda, vó? – perguntei.

- Não, você sabe que não gosto! – ela respondeu brava – Eu que vou cozinhar!

- Calma! – dei risada – Tudo bem!

- Mas se bem que você pode me fazer um favor... – ela falou.

- O que?

Ela olhou pra mim e falou baixinho:

- Vá na janela escondido e olhe pra ver se a biscatona já ta lá no bar!

- Vó, deixa a mulher em paz! – respondi – Ela só quer tomar a cerveja dela, o que tem de mais nisso?

Minha avó pensou um pouco e não falou nada. Quando me levantei pra ir até o banheiro, escutei-a resmungando baixinho:

- O que tem demais? Essa biscatona... É uma biscatona...

Alguns dias depois resolvi levar um pedaço de bolo pra ela. Olhei para o bar e percebi que a mulher estava lá, enquanto a janela da sala da minha avó estava aberta. Entrei na casa já me preparando para pegá-la no flagra, escondida atrás da cortina enquanto espiava o bar, mas me surpreendi: ela estava deitada no sofá, assistindo a novela!

Dei um beijo nela, levei o bolo para a cozinha e pensei: “finalmente ela desistiu de azucrinar a mulher do bar!”, mas de repente, ouvi ela gritar:

- MAS É UMA BISCATONA MESMO, NÃO SAI DESSE BAR!

Olhei confusa para a minha avó que continuava assistindo a novela, e demorei um tempo até entender o que havia acontecido, mas quando eu vi, não acreditei... Havia um pequeno espelho embaixo da televisão que refletia a janela. Ela não estava assistindo a novela, mas sim a mulher do bar através do espelho! Peguei uma xícara de café e sentei no outro sofá, entendendo que aquela era uma causa perdida.