"Inquietude"

A inquietude sempre me acompanhou ao longo destes contáveis trinta e quatro anos, dando mostras deste irreparável “defeito” (o que para mim já é virtude) e silencioso, pois nem eu percebo que estou novamente “fermentando” por dentro; resolvi manifestar-me em defesa da tal “formiguinha invisível”.

Veja só, sou uma mulher comum, com hábitos comuns, mas com pensamentos incomuns, isso me torna alvo daqueles que, comumente vasculham o diferente para detonarem-lhe a auto-estima. E pensando nesta minha diferença, resolvi experimentar o silêncio. Fechei-me por alguns minutos (jamais conseguiria ficar calada por horas) em meu silêncio reflexivo, e logo já jogaram a seguinte deixa: “Ah, ta tristinha é? Brigou com o mor?”

Ora, tal seria espanto se me surpreendesse com outra pergunta, mas os “outros” insistem em rotular-nos a idéia de que tristeza é sinônimo de abandono, descaso ou até mesmo da famosa “bota”; mas eu não estava triste, estava apenas quieta.

Já a minha inquietude mostrava-se viva: minhas mãos começaram a transpirar, meus pés em movimentos dançantes passeavam delo pequeno espaço a eles dedicados; a cadeira que me acolhia tornou-se pequena, tudo se tornou pequeno. Não respondia aos meus próprios estímulos, negava a possibilidade de qualquer pensamento enquanto ouvia a voz da palestrante entrando e saindo como se fosse martelada. Assimilei parcialmente o conteúdo, pois se minhas mãos estivessem inquietas registraria tudo em forma de desenhos e pequenos textos (“Vergonha”, por exemplo, fora escrito no início da palestra), o que para mim foi uma perda irreparável. Mas era preciso que eu me silenciasse, aquietasse, “quietar o facho, literalmente”.

Consegui estabelecer o meu silêncio em contados vinte e dois minutos. Experiência à parte, confesso que foi horrível não poder responder aos desejos de ver minhas mãos rabiscando um pedaço de papel, ver meus pés fora do sapato, mexer e remexer na cadeira livremente ou até mesmo esticar o corpo discretamente.

Ao encerrar o evento, esperei que todos se retirassem do local, enquanto saboreava um pouco mais a minha liberdade, a minha inquietude (será que poderia dizer: liberdade inquieta?). Quando percebi que o tumultuo havia diminuído, levantei-me, calcei os sapatos (que estavam escondidinhos), guardei a minha agenda e meus rabiscos e caminhei em direção à porta, porém antes cumprimentei a Neide (palestrante), que ironicamente abordara, dentro da psicologia, sobre as sensações/sentimentos e suas conseqüências.

Conclusão disso tudo: quanto mais eu questiono o meu comportamento inquieto; mais distante da quietude eu fico. Não conseguiria viver sem meus chiliques (por exemplo, tirar os sapatos enquanto dirijo, ou enquanto estou sentada por um longo tempo), sem minha demonstração de arte (desenhos de coração, abelhinhas, árvores etc) e sem meu caderninho, que insisto chamar de agenda.

Tamanha é minha inquietude que meus dedos insistem em continuar digitando, devo doutrina-los para que compreendam que a crônica para ser crônica tem que ser breve, disse besteira?