"Trabalhar estou, produzir é que não sei..."
" - Faça alguma coisa! nem parece estar trabalhando" brinca um dos funcionários de um supermercado porte médio de um bairro movimentado do Rio de Janeiro com outro funcionário que inerte, responde de imediato - "Tô trabalhando sim! Já bati meu ponto... só não estou produzindo."
A conversa descontraída entre os dois colegas à minha frente ou de qualquer outro cliente que estivesse por perto parecia despreocupada, sem constrangimentos, como se não passasse de um habitual cenário, o que realmente é.
Somos assim, descolados, desbocados, malandrados. Talvez seja fruto dessa cultura já tão consolidada, moldada à medida de nossas chances que não dá mais para retirar, oxidou. É fruto da tal malandragem simpática, charmosa e indolente. que outrora era caricata, daquele indivíduo de chapéu e terno de linho branco que andava sorridente pelas ruas nos anos 30, mas que, mesmo marginal, era carismática.
Hoje essa malandragem deu uma repaginada. Se diluiu, e do indivíduo, se coletivizou. Está um pouco por todo lado, em todos nós e também neles. Ela vem como uma onda maré mansa e na crista do "tô nem aí", nem para mim, nem para você, se transformou em, mais do que uma forma de ser, num corriqueiro modo de vida, e de orgulho, virou um símbolo de luta, apesar de submissa, à autoridade de injustiças, à uma desesperança social. Mas não possui um cunho filosófico, qual nada, quem dera, nem um objetivo revolucionário tem, é apenas uma reação espontânea. É nada mais nada menos do que o movimento natural e físico da reação à ação, igual em intensidade, mas de forma contrária. Por isso, trabalho, mas não sei se produzo...
Não há que se por em causa a Incapacidade de se ser produtivo, pois claramente qualquer ser humano consegue distinguir o trabalhar e o ser produtivo. É mesmo só uma questão de escolha. Quando a incerteza do futuro e as injustiças são claras, a escolha torna-se mais fácil, é viver da forma que dá, numa velada revolta popular.