O Cabotino
Cada pessoa tem suas preferências, é algo personalíssimo, identifica o indivíduo, como aquele que toma apenas água gelada, não aceita na temperatura ambiente, ainda que esteja febril; ou ainda aquele que não toma banho frio, por mais que esteja beirando os 40”.
Já vi pessoas que adoram fígado de boi, bem acebolado, quando é certo que eu confio em que Deus nunca me dará como última alternativa, para não morrer de fome, ter que comer um bom bife de fígado.
Pessoas lotam salas de projeção, e assistem embevecidos Star War, ou o Planeta dos Macacos, enquanto eu prefiro um prato de arroz, com sabor de querosene, a assistir um filme desses.
Os mórbidos se encantam com acidentes, ou aqueles que não perdem enterros, e se inebriam com doenças terminais, e tudo isso me assusta, eu que faço apologia da ressuscitação, da vacina e da recuperação.
O prazer mais atroz, que mais trucida quem estiver por perto, é quando alguém conta, de forma torturante, as gracinhas dos filhos, dos netos, obrigando o “ouvinte compulsório” a rir, aplaudir e concordar com os feitos “extraordinários daqueles inocentes, que estão sendo imerecidamente, elogiados.
-Meu neto, com apenas 9 meses, já mede 87cm, assustando até o pediatra, pois criança nesta idade teria, no máximo, 79cm. Numa rápida estimativa, e valendo-me de uma matemática simplista, calculei que aquela mesma criança, com 17 anos estaria medindo 3,12m.
-Meu filho, com 16 anos de idade, e ainda no 3º ano do ensino médio, entro na medicina, da faculdade mais disputada do Brasil. Isso também me levou a acreditar que a Harvard tem uma unidade no interior do Brasil, só para atender a aquele menino prodígio.
-Eu nunca achei um bebê bonito, mas a minha neta deixa estupefacto a todos que olham para ela. O que me leva a acreditar que o espelho da Feiticeira Malvada teria a apresentar variados modelos de pessoas mais bonitas, se lhe fosse perguntado:”Existe alguém mais linda do que eu?
Então se ouve:
-Ego, ego meu, existe alguém mais cabotino do que eu? Existem no mundo palmas suficientes para aplaudirem um talento do tamanho do meu?
Nero fez uma pergunta similar a esta última antes de morrer, e o mundo respondeu:
-Não, acredite, você é o protagonista do mundo, mas por favor, não conte a ninguém.