SÁBIA SABIÁ

Admiráveis são as aves. Nem se lixam para o morcego que dorme a seu lado, pendurado de cabeça para baixo. Muito menos, o imitam. Para elas, com seus pés agarradinhos ao galho, a dormida é sob posição rigorosamente horizontal sem oscilações para frente ou para trás. Não se atrapalham com os galhos desnivelados ao redor. Também não lhes aborrece a folha que balança, nem o vento. Nelas, o equilíbrio e a estabilidade, mesmo durante o sono, são resultantes de relações neuronais internas.

Os humanos, ao contrário, foram e continuam sendo afetados, a cada minuto, por coisas de seu meio. Meio esse que costumava ser bem mais saudável no passado. Boas lições ouvidas dos mais experimentados. Agradáveis sensações trazidas nas prosas e versos dos livros, nas cordas do violão, no sopro da sanfona, na batida educadamente ritmada dos surdos e zabumbas. Como as aves, dormia-se admirando o luar, respirando o orvalho e suspirando-se às serenatas.

Hoje tudo isso foi substituído por “máquinas de fazer doido”, como dizia Sérgio Porto – o Stanislaw Ponte Preta - ao se referir às emissoras de TV. Máquinas, hoje, ampliadas e mais eficazes em seus objetivos. As rádios, TV’s, revistas e jornais perderam a função original de dar notícia e divulgar cultura. A gananciosa venalidade aproveitou a modernidade do dinheiro supervalorizado, elevado – por si - à categoria de produto comercial, para forjar gigantescos conglomerados de comunicação. Para estes, a notícia, a divulgação do fato não tem muita importância. O que lhes vale a pena é defender o empreendimento como instituição meramente comercial lucrativa, a serviço do mundo empresarial no qual eles próprios estão inseridos.

É por aí que a divulgação do fato deixa de ser notícia para ganhar forma de convencimento opinativo, de lavagem cerebral, de imposição de “lado” ideológico intolerante com a diversidade racional. Usam tecnologia de ponta para recrutar e formar aguerridos defensores emprenhados de posições e prontos a dar a vida pela ideia que lhes enfiaram na cabeça.

Por fim, essas organizações de formatação comportamental – sonhadas por Hitler e desenvolvidas à sombra da saudade nazista - hoje estão aí como fortes sócios do clube empresarial, dono do dinheiro. Grupo que reina absoluto sobre os mecanismos de produção e comércio. Domina, por consequência, a política, os pilares do poder público e a massa de “maria-vai-com-as-outras”.

Já não se pode mais sonhar com honestos ganhos decorrentes do trabalho, do suor, da produção material e concreta, como preconizava Max Weber. Segundo o Federal Reserve Bank of Dallas, mais da metade da economia mundial de hoje resulta de transações exclusivamente financeiras, onde se compra e se vende exclusivamente dinheiro. Enquanto um operário brasileiro rala um dia de esforço para receber algo como trinta e poucos reais, a

turma das finanças fatura milhões com um simples apertar de botão. Isso sem contar que, poderosos, valorizam e desvalorizam o que querem.

O clube do dinheiro incinerou os manuais de ética e justiça social. Fazem aprovar leis de seu interesse. A moeda, os papéis das bolsas valem mais que vidas de miseráveis padecendo de fome aqui e alhures. As instituições modernas, sejam elas comerciais, educacionais etc., já não se interessam por seu papel social. Focam na rentabilidade visando a obter mais lucros nas cirandas financeiras. O controle público sobre essa mixórdia é inoperante, ante o poder do dinheiro. Se algo parece adverso aos endinheirados, é imediata e rigorosamente removido com propinas, demissões, admissões, condenações, encarceramento e ferramentas diversas, até com a morte se necessário for.

No território da comunicação, os donos da moeda acabaram por sepultar os pequenos órgãos informativos, onde se abrigavam, ainda que raros, informativos resistentes às pressões econômicas, íntegros e confiáveis.

Sergio Porto deixou a vida sem conhecer a internet e suas redes infamemente chamadas sociais. Estas, sim, as mais eficientes máquinas de fazer doido com engrenagens aos milhões, operadas por alienados, loucos e loucuras de todas as estirpes. Dentre estes, gente estressada, de mau humor, arrancando cabelos, tirando a calça pela cabeça. Tudo movido pelo ódio plantado pelas empresas midiáticas de comunicação contra o que não lhes interessa vingar. Quando o assunto é política, então, os ânimos são energizados à semelhança de fio elétrico desencapado a fagulhar. Nas redes sociais agem como guerreiros tribais primitivos, antropófagos em busca de saborear fígado cru do adversário.

O pior é saber que esse ódio é uma aberração biológica e humanamente anormal. Entre animais selvagens essa fúria só é notada na defesa do alimento e entre machos na competição pela fêmea no cio. Fora isso, a ira entre membros da espécie não traz vantagens, contraria a índole inata e natural voltada para a conservação de sua espécie. No ser humano a ira política, além de má, é ridícula. Fere o nobre sentimento de amor ao semelhante, nega os valores da misericórdia e do perdão, incita vingança e crueldade. É, pois, sentimento que não emerge da consciência pura, nem das funções biológicas naturais, mas resultam de influência do meio.

Aí é que os normais, imunes a esses ácidos humores, encantam-se com as aves, especialmente a sabiá que continua gorjeando sem desafinar, fiel à sua pauta musical. Dorme sem cair do galho, defecando e voando para os humores alheios, talvez, recitando Mario Quintana: “eles passarão, eu passarinho!”

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 18/05/2018
Código do texto: T6339796
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