Chegar

Me atirei na cadeira do ônibus, podre de cansaço. Os olhos já fundos, as olheiras escuras, os pés inchados. Lastimava o cansaço dos dias e ansiava por um momento de paz. Sabe aqueles sábados preguiçosos? Tem até palavra bonita pra isso: Ócio. Sorri ao lembrar de como era tomar sorvete nas tardes de domingo com os amigos e o namorado. Até tomar sorvete se tornou uma tarefa difícil. Primeiro a gente precisa achar um tempo na agenda, depois precisa pegar o transporte público que já pegamos mais de uma vez nos cinco dias na semana e ainda por cima gastar aquele dinheiro que a gente economizou o mês todo. Meu rosto logo se transformou numa cara carrancuda. Vi que um rapaz me observava de canto. Era bonito, parecia simpático e logo deu um sorriso em minha direção. Eu retribui, tentando desdobrar a careta que eu carregava, mas logo franzi o cenho ao perceber que faltava muito pra chegar. "Chegar", pensei comigo.

–Eu sempre chego, mas nunca estou verdadeiramente chegando.

O rapaz me olhou sorrindo uma última vez antes de descer do coletivo. Eu quis retribuir, mas meu sorriso frouxo é que nunca chega.