ENQUANTO O CORPO ESFRIA
Numa velha mansão num outrora bairro residencial.
- Droga Dorotéia! Só o dotorzinho tem a chave deste quarto, e eu tenho que entrar ai... tenho certeza que o velho guardava aqui. Ele nunca me deixava entrar neste quarto!!! Temos que achar uma chave para poder abrir essa fechadura antiga. Disse Nicolle ansiosa.
- O Aderbal deve ter alguma lá nas tranqueiras dele, mas não sei se vai dá para abrir! Falou Dorotéia receosa.
- Dá sim, estas fechaduras antigas qualquer chave abre... vai rápido lá pegar, temos que abrir esta porta o quanto antes! Antes que aquele dotorzinho resolva aparecer aqui!
Dulce ficou fazendo companhia para Nicolle enquanto Dorotéia saia correndo. Alguns minutos depois Dorotéia voltou esbaforida, com vários modelos de chaves e uma chave de fenda.
Nicolle apressadamente pegou todas as chaves da mão de Dorotéia. Uma por uma, começou a enfiar as chaves na fechadura antiga da porta. Forçava, xingava baixinho e jogava uma a uma as chaves no chão. Estava apreensiva e ficando irritada, até o momento em que ouviu o barulho.
Nicolle pulou de alegria, uma das chaves abriu a fechadura.
- Você tem certeza que tem e que tá aí, Nicolle? Dulce preocupada questionou.
- Tenho sim! O velho nunca deixava eu entrar neste quarto, entrem e me ajudem a procurar! Disse Nicolle.
As três vasculhavam tudo e qualquer canto do quarto, armários, cômodas, embaixo da cama. Caixas, sacolas e envelopes. Tudo passava pelo crivo das três. Dulce e Dorotéia ficaram assustadas quando encontraram um 38, carregado.
Passado quase uma hora, foi Nicolle que encontrou.
- Falei para vocês que estava neste quarto!!! Vambora... limpem nosso rastro e deixem tudo no lugar, para que ninguém saiba que estivemos aqui. Eu vou para o meu apartamento e espero vocês lá! Saiu carregando uma caixa de sapato embaixo do braço.
Dorotéia e Dulce deixaram como encontraram o quarto, eram faxineiras. Trancaram a porta, recolheram as chaves do chão e correram para o apartamento de Nicolle, que entre ansiosa, preocupada e feliz, falou:
- Deixaram tudo em ordem lá? Agora tenho que ir no velório do velho! Vamos junto?
Dulce e Dorotéia intrigadas perguntaram ao mesmo tempo:
- O que tinha na caixa?
- A noite vocês vão saber! Disse Nicolle sorridente.
No velório, Nicolle, a viúva, em seu vestido preto de grife, cara de pesar e felicidade escondida atrás dos grandes óculos escuros, não recebia as condolências.
O corpo do velho no caixão, coberto de flores e várias coroas de flores na capela. O velho, conhecido como seu Jorge, foi um dentista conhecido na cidade, político tradicional, nunca passou do mandato de vereador, cinco mandatos, morreu aos 72 anos de idade. A capela estava cheia de amigos, parentes e eleitores.
Passados meia hora, Nicolle falou para as cúmplices:
- Já deu... estou indo para casa!
- Mas Nicolle, seu Jorge era seu marido! Exclamou Dulce.
- Era... o que eu precisava dele eu já tenho e estou preocupada com o que deixei em casa! Cochichou Nicolle.
- Mas e o dotorzinho não vai desconfiar? Disse Dorotéia.
- Eu aposto que ele vai vasculhar aquele quarto daquela casa velha hoje após o enterro. E quero estar lá para ver a cara dele!
Dito e feito, naquela noite Jorge Júnior, advogado e filho do seu Jorge, foi até a mansão, com a chave abriu a porta, entrou e se trancou no quarto. Nicolle, toda de preto ainda, ficou na sala.
O dotorzinho xingava e batia as portas e gavetas dos armários e cômodas. Saiu vermelho e enfurecido. Nicolle perguntou na maior cara de pau:
- Aconteceu alguma coisa?
Jorge Filho segurava o velho 38 na mão e respondeu secamente e olhos faiscando:
- Estava procurando alguns documentos do meu pai, não encontrei, pensei que ele guardava neste quarto!!! Enrolou o 38 numa toalha e saiu.
Nicolle voltou para seu apartamento, uma cobertura, num prédio moderno no novo centro da cidade, suas cúmplices estavam á espera. Da caixa de sapatos Nicolle tira dois maços de dinheiro, entrega um para Dulce e outro para Dorotéia e diz:
- Tem 10 mil para cada uma de vocês pela ajuda! Obrigada!
As duas nunca viram tanto dinheiro, se olharam, guardaram rapidamente as notas e saíram com um sorriso no rosto.
Além da cobertura Nicolle, ganhou de presente dois carros do velho. Era uma morena linda, corpo escultural. Tinha 27 anos. No dia seguinte faria o pedido de pensão, o velho recebia mais de quinze mil reais mensais de aposentadoria do governo. Mas primeiro faria seus exercícios na academia, tinha que manter seu corpo saudável na viuvez.
Nicolle amava o seu Jorge. Na caixa de sapatos cento e oitenta mil reais em dinheiro.