Assim ou ... nem tanto. 139
O sonho
Acordei quando já voava tão alto que via a nazónica Torre dos Clérigos como a ponta de um lápis por afiar. Olhei-me e comecei a cair logo que percebi que não tinha asas para tanta altura e que o sonho acabara na violência da queda. Quando começava a ter medo olhei à volta e vi preguiçoso o Rio Douro, a Ponte Luis I, a cambada que fazia as cores mexerem-se na Ribeira. – Não tenhas medo por enquanto – disse-me baixinho - porque ninguém acorda pássaro nem anjo, ninguém vem aos tombos do céu sem cair de um helicóptero ou sem que uma águia bem maior que a do Benfica o largue da tesura das garras. Acalma-te, homem, que ainda dormes, que isto é a continuação de um sonho na parte mais negra do espanto. Acalma-te ou ainda acabas por mijar a cama, a meda de palha, o tapete da sala ou seja lá o que for onde tenhas pegado a dormir. E foi assim que recomeçou o voo não importa com que meios. Ganhava altura, dificilmente me esborracharia no espelho de água do Siza Vieira e, quanto muito, aterraria de modo suave e lento perto do Dom Pedro, agarrado às crinas do cavalo ou escorregaria nos restos da demência até aparecer, sem saber como nem porquê, de mãos dadas contigo a ressonar como se ainda dormisse.