DO NORDESTE PARA O MUNDO

DO NORDESTE PARA O MUNDO

Quando fui nomeado pelo Banco, depois de muito tempo aguardando ansioso essa nomeação, visto que muitos colegas e amigos já estavam trabalhando, para a sua agência de Macapá, Território do Amapá, à época, eu tinha vinte e um anos. Fiz os exames de saúde obrigatórios (que tem uma linda história de amor ao próximo e solidariedade envolvida, a ser contada posteriormente), falei para minha namorada para onde eu estava indo em breve(também será narrada essa fase a seguir), disse aos amigos, aos familiares, entreguei o resultado dos exames à agência de Mossoró e esperei a chegada da autorização da Direção Geral do Banco para ser creditado a meu favor o valor correspondente à passagem de avião e demais despesas com vistas ao meu deslocamento para Macapá. Quando, finalmente, o dinheiro chegou começaram as despedidas, de minha namorada(ela tinha quinze anos) com promessas mútuas de amor perene, dos amigos e da família. Para nossa família, um fato inédito ter um ente querido aprovado no concurso do Banco e prestes a iniciar sua carreira instituição financeira mais concorrida do País, para as possíveis candidatas a sogra um sonho de genro, por isso meu cunhado e minha irmã foram me deixar no carro deles até Fortaleza, no Ceará, onde eu embarcaria num avião da Vasp com destino a Belém do Pará e, depois, em outro para Macapá, no dia seguinte.

Chegamos a Belém no fim da tarde, eu e mais dois amigos que rumavam para as cidades de Altamira e Breves, no Pará, e apanhamos um táxi. Pedimos ao motorista para nos levar ao Hotel Nacional, mas ele, cabreiro e esperto e nós apenas marinheiros de primeira viagem, simplesmente disse ter tomado conhecimento que o referido hotel estava lotado, se quiséssemos nos levaria para uma pousada bastante conhecida dele e muito boa(sic). Nós olhamos a imensidão da cidade, a hora daquele começo de noite, o mundão de carros indo e vindo, passamos pelo Ver o Peso, local bastante conhecido dos turistas, o que não era nosso caso, e decidimos aceitar a sugestão dele. Acredito que o taxista ganhava comissão para levar incautos para a hospedaria, porque era uma pousada chinfrim, com recepcionista distraído, num bairro esquisito. Ainda assim, sem experiência em viagens - era a primeira vez que eu saía do meu Estado, não conhecida nada além fronteiras do RN - nos alojamos lá mesmo, saindo em seguida procurando onde jantar, apesar de não termos a mínima ideia de onde estávamos. Vale considerar, no entanto, que naquela época não existia a violência de hoje, tínhamos a segurança de viver sob o regime militar e o único perigo eram os terroristas. Encontramos um restaurante chinês, para meu espanto, visto nunca ter entrado num desses antes. Miguel e Xavier pediram especialidades chinesas, eu, meio desconfiado daquela comida estranha, comi macarronada com nome estrambólico mesmo. Como ainda era cedo, decidimos ir ao cinema, se encontrássemos um, no intuito de assistir ao filme Love Story. Saímos perguntando às pessoas onde ficava o mais próximo e, para nossa alegria, logramos achar.

Curiosamente, sem qualquer vivência de viagem ou oportunidade de conhecer novas culturas e pessoas diferentes, eu admirava com um olhar de novidade as lindas mulheres muito morenas, belas, cabelos longos, corpo curvilíneo de encher os olhos, andando pelas ruas e enchendo a sala do cinema com suas presenças exuberantes. Assisti ao filme sem tirar os olhos delas. Dia seguinte começaria minha vida na capital amapaense, sozinho, sem conhecer ninguém, sem saber onde moraria nem como seria viver o sonho, agora realidade, que eu sonhara e não tinha certeza de ser concretizado. Esperava-me um mundo desconhecido, uma cidade em plena Amazônia e uma empresa bancária onde eu nunca havia entrado antes, nem mesmo em minha cidade natal. As portas estavam abertas para o meu futuro, cabia a mim entrar, tomar posse e fazer esse porvir. O menino humilde do Nordeste, muitas vicissitudes ao longo de sua vida, que mesmo atormentado pelos fantasmas dos magros tempos de carência estudou dia e noite, trabalhando desde os treze anos de idade para ajudar aos pais, e apesar disso nunca odiou a sociedade nem ousou roubar, que teve a oportunidade como qualquer um tem de estudar e mudar de vida, que não usou de vitimismo nem acusou ou se enraiveceu com ninguém por ser rico e ter vida de nababo, que chorou os momentos de angústia vividos mas nunca desistiu de estudar e estudar muito, trabalhar e trabalhar muito em qualquer empreguinho mesquinho, a partir daquele dia, sem nunca antes se tornar um marginal, pelo contrário, sempre convicto de ser cidadão honrado, de bem, produtivo em favor de sua Pátria, iniciava a jornada para uma vida melhor e mais abundante, ganhando salário de fazer inveja até mesmo aos magistrados de então e realizar o desejo de ajudar aos seus pais e garantir dias melhores para si. Foram os estudos e minha dedicação ao saber, graças a Deus, que me proporcionaram isso. O dia 10 de novembro de 1971 me fez renascer. Graças a Deus!

Gilbamar de Oliveira Bezerra

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 15/05/2018
Reeditado em 15/05/2018
Código do texto: T6337070
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