CHEIRO DE ÁLCOOL
Era quase cinco horas da manhã de uma madrugada fria quando eu voltava para casa após uma noite de divertimento. Só percebi que o frio estava mesmo intenso quando pude ver pela janela do carro um senhor deitado na calçada parcialmente enrolado em jornais e em panos velhos, tremendo feito um moribundo. Pensei em parar e ajudar de alguma maneira, mas o lugar onde o homem estava não era muito seguro, havia muita escuridão e fama de local mal frequentado. Reduzi um pouco mais a velocidade do veículo e mais adiante resolvi parar. Pronto, agora havia parado, mas confesso que fiquei sem ação e com medo de voltar. Pensei por mais alguns minutos e resolvi fazer o retorno, já que lembrei naquele instante que no meu porta-malas havia uma mochila com algumas mudas de roupas que fortuitamente eu carregava de vez em quando.
Agora que já havia parado e que já tinha alguma proposta para oferecer àquele desventurado resolvi então retornar. Em se tratando de rua de mão única, dei a volta na quadra e vagarosamente dirigi procurando o lugar onde eu havia avistado o infeliz. De repente, uma luz vermelha e brilhante apontou em meu retrovisor. Era o carro da polícia que fazia sinal para que eu encostasse. Meu coração acelerou mais do que momentos antes. O medo foi maior do que a decisão de ter voltado para prestar ajuda ao desconhecido. Não havia outro jeito, encostei o veículo e com as mãos na cabeça saí em direção a parede de uma loja. Eram dois policiais, um com uma arma de longo calibre na mão e o outro com uma arma menor empunhada e mirando para mim. Enquanto o segundo policial com a menor arma aproximou-se de mim o outro ficou o tempo todo com ela apontado em minha direção. Fui revistado da cabeça aos pés. Nada encontraram. Pediram-me para virar para eles e passaram a me questionar sobre minha atitude suspeita naquele local infame. Embora assustado expliquei com muita propriedade o meu intento. Não os convenci. Meu carro foi revistado e todo revirado, mas também nada encontraram. Nem uma latinha de cerveja, até porque já havia as consumido todas.
Sinto odor de bebida alcoólica, disse um dos milicianos. Você bebeu? Perguntou o outro. Não respondi. Tem certeza? Podemos fazer o teste do bafômetro? Perguntaram os dois. Sim, claro que podem. Os dois se entreolharam e em seguida voltaram-se para mim e dissseram: Olha aqui seu jovenzinho de merda, nós sabemos que você está bêbado, então coopera conosco ou vai ver o sol nascer quadrado e só sairá depois de pagar uma pesada fiança.
Entendi perfeitamente o que estava se passando naquele momento. Fiquei sem ação, mas resolvi entrar no jogo daqueles policiais corruptos. Por acaso é o “cafezinho” que vocês estão procurando? Peguntei nesta metáfora bem conhecida no meio policial. Acho que ele entendeu. Disse um deles. Havia mesmo entendido. Só eles é quem não haviam compreendido que eu estava dando corda para eles se enforcarem sozinhos.
Minha carteira está no carro senhor. Disse para um deles. E o que você está esperando para buscá-la garoto? Caminhei até o carro e peguei a carteira que eu sempre tenho o costume de deixar num compartimento secreto junto com meu instrumento de trabalho, por motivo de segurança. A todo tempo os dois me acompanhavam sem tirar os olhos de mim. Peguei a carteira, voltei para eles e ao invés de tirar o pouco dinheiro que na ocasião me sobrara, tirei minha credencial de cadete recém chegado da academia de oficiais da polícia militar e entreguei nas mãos deles.
Um silêncio absoluto perdurou por alguns minutos. Ninguém falava nada. Até que quebrei o remanso dizendo aos dois. Só não vos dou voz de prisão porque estou embriagado.