TRISTE IRONIA

TRISTE IRONIA

Nelson Marzullo Tangerini

De um livro de gramática do Prof. Maia, recorto esta significativo exemplo de Ironia [figura de linguagem]: “Com um governo desses não há por que se preocupar com o futuro”. Simplesmente, porque não vemos ou visualizamos o futuro.

Se continuarmos com esta política retrógrada, voto obrigatório, serviço militar obrigatório, entre tantas obrigações herdadas da ditadura, jamais seremos um país de 1º. Mundo.

Tenho Facebook e fui obrigado a excluir inúmeras pessoas que defendiam a volta da ditadura militar, que prendeu, arrebentou, torturou, matou inúmeras pessoas – algumas continuam desaparecidas-, o stalinismo, que fez a mesma coisa, ou o neonazismo, com suas serpentes perigosas, que defendem a eugenia e deixam seus ovos em terrenos férteis para a procriação.

Quando era garoto, ouvia dizer que o Brasil era “o país do futuro”. Numa revista inglesa encontrei o seguinte complemento: “Onde o futuro nunca chega”. Acho que este pensamento, transformado em música – sem graça - foi elaborado pela ditadura, que dizia que este país iria para a frente. Assim como outra ditadura inventou o slogan de que “A Seleção era a pátria de chuteiras”.

Dinah, minha mãe, tinha uma amiga que morava em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Quase sempre íamos para lá. Muitas vezes o trem parava para que militares o invadissem à procura de alguém que eu não sabia quem era. Ficava apavorado com aqueles homens de pouco riso e armados até aos dentes. Minha mãe me transmitia calma e me dizia que eles procuravam comunistas. “Eu era uma criança e não entendia nada”.

No ginásio, fiquei sabendo que um valente militante de esquerda havia sequestrado um embaixador americano. Para que o referido embaixador fosse solto, a ditadura deveria soltar um grupo de presos políticos. Mais tarde, conheci, pessoalmente, em passeatas ecológicas, algumas dessas pessoas que se tornaram parte desta história: Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e Carlos Minc.

Mas o que era o comunismo? Aquilo me intrigava. E eu, menino atrevido, ouvia em minha casa, através de uma radio-vitrola, com dois botões e algumas teclas cor de marfim, as Rádios Havana [com os longos discursos do jovem barbudo Fidel Castro] e Tirana [com os longos discursos de Enver Roxha].

Ouvia também as rádios BBC de Londres, que volta e meia lia minhas cartas, ou a Rádio Voice of America, também preocupada em fazer propaganda ideológica.

Enquanto isto, no ginásio, nos empurravam goela abaixo uma tal de OSPB, Organização Social e Política Brasileira, que era mais uma propaganda da ditadura, como a chata e monótona Voz do Brasil, onde os jornalistas mais pareciam antenas repetidoras de relatórios mentirosos.

Na faculdade de Comunicação-Jornalismo Hélio Alonso, tive algumas calorosas discussões com fundamentalistas de esquerda, porque defendia a tese de que a União Soviética era tão imperialista quanto os Estados Unidos.

Enquanto a União Soviética desmoronava, a Albânia se mantinha firme. Um professor baiano [esqueci seu nome] dizia, no jornal anarquista O Inimigo do Rei, que a Albânia era o último santuário ecológico do stalinismo. Mas o silêncio albanês não teve mais como se sustentar em pé – e ruiu também.

Parece que este país não tem mesmo futuro. Reacionários de direita e de esquerda acham que ditaduras resolverão o problema do país. Agridem-se, trocam insultos, lavam a roupa suja. Porém, creio eu, só uma educação libertária fortalecerá a liberdade, que é inimiga de ditaduras religiosas, de direita e de esquerda. Aliás, em pleno século XXI já devíamos ter posto fim a estas duas palavras: direita e esquerda. Porque o que queremos é um mundo justo, sem pobres e sem fome; um mundo em que o ser humano valha um ser humano, seja presidente de si mesmo e não dependa das benesses de políticos que ainda distribuem sacos de cimento, tijolos ou dentaduras para o povo inculto, humilde e humilhado, em troca de votos.

Caminhando e cantando e seguindo por essa estrada sinistra, paramos diante do abismo. Seguir para onde? Talvez uma ponte seja construída e possamos atravessar para uma nova era, quando o ser humano terá uma vida mais justa, terá pão farto e moradia humana, independente da cor de sua pele.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 13/05/2018
Código do texto: T6335053
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