Um Fragoso, um amor
O sujeito era baixinho, meio envelhecido, mas pode ser que tivesse menos idade do que aparentava. Surgiu de repente no ônibus e começou um discurso que, honestamente, ninguém entendeu. Sem dúvida tinha algum problema de fala. Até por isso ele tinha um papelzinho que entregava a todo passageiro que encontrava pela frente. Mesmo antes de receber, já se sabia que ele só podia estar pedindo dinheiro, é o que pedem todos que fazem discursos no ônibus. A sua voz, portanto, era desnecessária para pedir, mas logo se percebeu que também a voz dos passageiros era desnecessária para negar. Com um simples gesto de mão já se afastava o seu papel. Mas o sujeito não esmorecia, seguia caminhando pelo ônibus, sempre falando coisas incompreensíveis, embora claramente fossem coisas humildes e favoráveis a nosso respeito.
Estendeu o papel a mim. Peguei-o, porque a minha religião tem como princípio pegar os papéis que os outros me estendem por aí. Era um pedaço pequeno, provavelmente ele consegue sete pedaços como aquele de uma única folha de papel sulfite. O texto estava escrito com canetinha preta e dizia, em três linhas: “Eu não tenho família. Pedro Fragoso. Não tenho pai nem mãe. Ajude com bom coração, um amor!”. Imagino que houvesse ligeiras variações de um papel para o outro, ele devia se cansar de ter que escrever isso várias vezes a mão. Mas o nome, de certo, permanecia. E esse detalhe que aos outros, os poucos passageiros que também pegaram um papel, não dizia nada, foi o que mais me impressionou.
Ora, eu sou um Fragoso. Posso não carregar o sobrenome, mas sou descendente da família Fragoso que vivia em um lugar conhecido, vejam só, como Fragosos, na divisa do Paraná com Santa Catarina. E mais, eu pesquisei essa família, levantei toda a sua origem e descobri que vinha de Curitiba. O Fragoso mais antigo era o filho bastardo de um paulista com uma índia carijó, escrava dos brancos curitibanos. Durante toda a vida, esse Fragoso, homem pardo, não foi mais que um criador de porcos e de gado. Mas teve uma grande descendência que se espalhou por todos os cantos do Paraná e de Santa Catarina, e um dia eu juntei o maior número possível deles em um livro. Em geral, os descendentes também foram pobres. E como ainda há muitos descendentes em Curitiba e região metropolitana, e como esta é, das famílias antigas, a única família Fragoso da cidade, era grande a possibilidade de que este Pedro Fragoso que entregava papéis nos ônibus de Curitiba fosse um parente, outro descendente do Fragoso bastardo, de quem herdou sobrenome, genes e a vida pobre.
E era engraçado que ele dissesse no papel que não tinha família, pois eu conseguiria ligá-lo a uma árvore genealógica com quase quatro mil pessoas – o que não poderia garantir é que os parentes pegassem o seu papel. Diz Pedro Fragoso que não tem família, que não tem pai e nem mãe, e faz bem em dizer isso, pois nada atesta mais a pobreza de um homem do que não ter essas coisas. Acho que há até um ditado africano dizendo que pobre é quem não tem família.
Era curiosa a sua saudação final: “Um amor!”. Ajude com bom coração, um amor! Até o ponto de exclamação estava lá. Talvez quisesse dizer que era com amor que deveríamos ajudar, mas bem pode ser que seja uma forma de se despedir também. Não se diz “abraços”, por exemplo, embora raramente o que se diz venha acompanhado do significado dessas palavras? “Um amor!”, diz Pedro Fragoso. E como os abraços, não vem amor nenhum em troca. Passou de volta recolhendo os papéis, passou rápido por mim e não me viu, saiu do ônibus em um instante. E eu fiquei com seu papel. Parente só dá prejuízo mesmo.