A Montanha
0 que é estar jovem? Assim, é ainda não olhar a idade depois da montanha. 0 que é estar idoso? Assim, é olhar a idade por detrás da montanha e rastejar para trás numa aflição cognitiva e buscar a juventude que parou no tempo antes de atravessar a tal montanha do tempo e é ser esses dois, o jovem e o idoso, ao mesmo tempo, e rasgar as folhas do papel com as teorias e as experiências testadas que se sepultaram nas linhas sinuosas das saudades para não resultar em nada, nada mesmo, nem ontem, nem hoje, por que o jovem não quer saber de nada disso, embora o idoso quer que ele saiba mas o jovem cabula esse querer, também pudera, para o jovem mais vale curtir o tempo presente, que é dele, o tempo alheio fica livre para as lembranças, só para elas.
O menino e a senhorinha não ligam nem querem saber, ignoram que o idoso teve um tempo com suas alegrias, seus passeios, namoros, dores, tudo envolto nas muitas amizades e algumas das quais, ainda jovens, ficaram pelo caminho sem conhecer o outro lado dessa montanha.
0 outro lado dessa vida é depois de muitos caminhos altos e baixos, a tenebrosa montanha que é tão bom atravessá-la quanto tão bom também é estar jovem e permanecer assim com saúde, crença, amores, buscando por um dia a mais perante a Deus que já lhe dera muitas travessias com vastos e perigosos riscos dos quais se livrou até sem perceber o que o fez tangenciar-se daqueles perigos, focados só no dia de amanhã, nem mais, nem menos, só mais um dia de vida.
0 jovem que está à espera de mais um dia, repara que o caminho, dessa forma, é angustiante, repara que o mal pode aproximar-se sem comiseração...e vem e quando vem, vem mesmo e o tempo não dá remédio, nem sabe o que é aquilo, soberbas à parte, fraternidades também, amizades, esperanças e ele sempre vai querer mais um dia de sol, uma luz divina, aquele milagre, vestido e embalado, vestido no amanhecer e embalado à tardinha para sugar do luar o trânsito pela noite e seus caminhos os quais abrirão o novo dia.
É, Senhora Vida! Viver assim também é viver, pouco a pouco, a juventude. Há regras para isso e o que o idoso conhece e desobedece esse jovem vai ter de provar, sentir o gosto, engolir como uma pequena regra para alcançar mais outro dia a cada dia, mais algumas horas e quão é válido cada segundo de uma regra boa, nova, que lhe faça sorrir, falar alto, passear, como se descobrisse o rosto da querida mãe, num parto sofrido e heroico, como se estivesse só no Mundo.
Aquela luz o faz igual a todos e depois tem de despertar, mesmo sem querer, e desperta não querendo estar na contra mão de tudo, não estar ansioso e estar querendo amar as alegrias, seus passeios, namoros, controlar-se como heróis envoltos também em prazeres e amizades e algumas delas como já disse, ainda jovens, ficarão pelo caminho sem conhecer o outro lado da montanha, sim, o outro lado dessa vida, tão bom quanto estar jovem, como já disse e repito.
Ah! A sabedoria dada a esses experientes é deles, cada um tem a sua, mas eles não são egoístas e querem dividir e poucos jovens querem uma fatia, ligam-se e desligam-se sem esforço dessa importante tarefa e continuam jovens, cabeças frescas e corpo sadio, "mens sana in corpore sano" é o lema.
Bate numa porta, nem se importa, bate noutra, bate no peito e sente-se o dono do Mundo. Sem querer, a vida e o tempo rebatem essa porta, importa sofrência, as roupas ninguém as lava, o peito arrisca um laudo e o deixa inocentemente de ser o dono egoísta daquele seu Mundo pra ser outra pessoa, a da humildade. Sempre assim, parece o fim, a linha termina para alguns antes da montanha e para outros, resta ser, lá na frente, depois da montanha, idoso.
Passa o sol sobre a montanha, também passa a lua, passam as sombras, passam as águas, passam a noite e o dia e querem outro dia para reviver as suas saudades e embarcar num coletivo inconsciente, sombrio, frio e solitário onde ninguém pode tocar a campanhia para descer por que não tem a próxima parada... nem antes, nem depois da montanha.