FORZA CAMPIONE

Onde moro, do outro lado do oceano, lendo as notícias dos jornais brasileiros: “longe do ringue há quase 40 anos, Éder Jofre enfrenta um adversário invisível: uma doença com danos irreversíveis...”, fiquei pensando sobre as mudanças que nos levaram ao mundo de hoje distante de coisas, mitos e heróis do passado. Já vivemos época onde a vida passava sem correria, o emprego era definitivo, a amizade era duradoura e palavras como violência, insegurança e medo andavam distante. Depressão, então, era sinônimo de frescura e passava logo, diziam alguns. O respeito aos pais, familiares e aos mais velhos era absoluto. Saudosismo, coisas de velhos, diriam hoje! Voltando para a época citada. Como a maioria dos jovens, buscávamos alcançar nossos sonhos pela dedicação aos estudos e muito trabalho. Morando na capital, na década de 70, pude acompanhar de perto a vitoriosa carreira do campeão mundial dos galos e dos penas assistindo suas últimas lutas, onde o meu herói de criança, já quase quarentão, ainda esbanjava força, técnica e vitalidade contra adversários muito mais jovens. Pude então estar próximo do campeão duas vezes. A primeira vez ocorreu no ginásio do Ibirapuera depois de terminada a contenda, com vitória dele, logicamente. Naquele mundo de amigos do boxe onde eu não frequentava observei que algumas pessoas, ditas hoje “celebridades”, aguardavam junto ao ringue para conversar com ele. Discretamente, guardando silenciosamente a emoção, entrei na fila, esperando ansiosamente minha vez. Um guarda, possivelmente policial, olhava fixamente a fila buscando encontrar algum penetra. Fiquei frio. Olhei para baixo temendo ser descoberto. Coragem rapaz. O campeão está próximo. A minha frente reconheci Antônio Marcos e sua mulher, Vanusa. Olhei para o cantor que gentilmente me cumprimentou. Falei rapidamente sobre gostar de boxe e ele respondeu. Entabulamos breve conversa. O guarda deixou de olhar. Provavelmente pensou que eu era do meio. Chegou minha vez. Respirei fundo. Apresentei-me. Éder me recebeu com um sorriso. Olhos sinceros. Respeito mútuo. Ao seu lado seu filho Marcel, ainda pequeno, pedia sua atenção. Sufocando minha emoção, esperei que atendesse o filho e depois conversei com ele. Falamos rapidamente sobre sua vitória e seus futuros projetos. Pude perceber sua educação, respeito e cordialidade no trato dos fãs. Mas do que isso, senti seu traço de homem simples, sem soberba, que o destacou sempre como o grande campeão. O segundo encontro aconteceu acidentalmente. Estava com um amigo, colega de faculdade, no antigo Detran, quando atravessando o pátio onde formigueiramente circulavam carros, motos e pessoas, cruzei com meu herói, que dirigia um mercedes novinho em folha. Naquele tempo, ter um carro importado era algo que chamava atenção, porém, vislumbrei num flash, dentro do automóvel, a figura do campeão. Acenei. Éder parou o carro, abriu o vidro e tranquilamente, aguardou. Como velhos conhecidos trocamos cumprimentos e apresentei meu amigo. Ao meu lado, baixinho, sorriso meio irônico, grossas lentes, sobrenome alemão, meu colega de trabalho ficou sem palavras, admirado com a total informalidade junto ao famoso campeão. Nos despedimos dele, com alegria pelo acolhimento e seguimos rapidamente para o suplício das incontáveis filas do Detran. Anos depois, início de 80, no curso noturno onde lecionava, durante uma reunião pesada com acusações e disputas com partidários de um novo partido fundado por um dirigente sindical que prometia acabar com a corrupção no país tive uma discussão com um colega, que agressivamente intimidou professores que discordavam de suas propostas. Trocamos palavras duras e a turma do “deixa disso” impediu um possível confronto. Fui ameaçado. La fora te pego, disse o truculento colega, apoiado por sua turma. Hora de sair do curso. Tarde da noite. Ruas desertas. Fiquei preocupado com a possibilidade de briga. Pode haver sangue, pensei. Saímos. Ao meu lado somente o inseparável amigo. Surpresa! Ninguém esperando? Fugiram? Fique tranquilo, disse o amigo, baixinho, sorriso meio irônico, grossas lentes, sobrenome alemão, depois da reunião eu falei no ouvido do professor radical: “ficou louco, cara! Vai querer briga com alguém que foi sparring do Éder Jofre!!!".