Pacote

Era um meliante, um garoto de periferia. Tinha um jeito estranho, usava um chapéu, tinha uma tatuagem e um sotaque nordestino.

Um dia sentei na calçada pra comer um pão com mortadela, chegou o menino com o seu jeito vagabundo e perguntou se eu lhe pagava um sanduíche. Autorizei Juvenal a entregar igual merenda e ficamos ali no meio fio, comendo pão com salame e Coca-Cola.

Perguntei o seu nome, ele disse que era Mariano, mas que eu o chamasse de Pacote. Diante da minha sombrancelha arqueada ele já foi logo se explicando:

- Quando eu nasci, minha mãe era sozinha. Vendedora ambulante, me levava numa espécie de rede enrolada em seu corpo. Então ela falava de mim como "um pacotinho". Um dia ela contou que quase deixou o pacotinho na escada da matriz. Mas depois se arrependeu...

Olhei para o jovem e senti as dores da miséria que não podem proporcionar a todos os homens, uma vida digna. Dizem que o homem é produto do meio mas, eu cá, tenho as minhas objeções. Machado de Assis cresceu numa comunidade, foi criado por uma lavadeira e ainda assim se fez um grande escritor.

As muitas marcas nos braços e pernas chamaram minha atenção de tal maneira que rapaz interrompeu o silêncio com um ar de reprovação.

- O que foi, dotô? Tá olhando minhas marcas da vida na rua? Qualé? Já precisou correr do polícia? Sou Pacote, o rei do bagulho delivery... E aí? Qual é o problema? Valeu parça! Brigado mesmo pelo sanduba... Tô me evadindo... De boa!

Antes que eu acenasse ele já dobrou a esquina e não vi mais o Pacote.

Paguei a conta ouvindo Juvenal, com aquele pano de prato no ombro, que diga-se de passagem, lhe era peculiar...

- O senhor teve coragem de dar conversa para o Pacote. Confere aí se sua carteira, relógio e sapato estão com o senhor mesmo, viu? Aquele ali é artista de mão leve.

Eu ri, meio sem graça, pus a mão no bolso, procurei as chaves do carro. Olhei na calçada... Esqueci na farmácia!

Nada... O moleque levou, na minha cara, o meu carro que estava logo ali, a duas quadras.

Cláudia Machado

11/5/28