ASSOCIAÇÕES PERIGOSAS
 
 
Frase no restaurante no Shopping: “nossos camarões são criados em cativeiro”.  Coitado deles. Além de já nascerem condenados a um destino cruel (encher os cofres de quem os cria e a barriga de quem os come), ainda são privados da liberdade em suas curtas vidas. Em outros tempos condenamos pessoas à escravidão com palavras, armas e muita repressão. Lembro-me de Castro Alves e sua memorável peroração no não menos memorável poema Navio Negreiro, seguramente um dos mais belos já escritos em língua portuguesa. Penso também em Abraham Lincoln, cujas idéias a respeito da escravidão provocaram a guerra mais sangrenta que já houve em terras americanas. Recordo-me de outras histórias a respeito, como Spartacus e sua luta contra a escravidão no Império Romano. Vem-me à cabeça a luta de alguns grupos ambientalistas, lutando pela preservação dos jacarés do Pantanal, a onça pintada, o siri dos mangues, as baleias, o mico dourado. E também dos índios botocudos, o que resta (ou não resta) dos sioux, apaches, incas e outros povos indígenas que um dia já dominaram o continente. Em todos esses casos, o confinamento foi a forma de preservar o que não restou deles.
Sem querer, penso nas chamadas quotas raciais. Parece que a sociedade, hoje do homem branco, amanhã de quem sobreviver, entende que somente jogando em cativeiro as espécies mais fracas elas conseguem sobreviver. Fico matutando porque as zebras e os antílopes ainda não desapareceram, todas jantadas pelos leões, tigres, leopardos, hienas e outros predadores. Concluo que a natureza deu a eles alguma forma de defesa. E eles aprenderam a usá-las muito bem. Ainda bem que a humanidade sublimou o seu instinto animal e hoje já não come mais (literalmente) o seu semelhante. A não ser para o Dr. Annibal Lester, o canibal da famosa série de Hollywood, a carne humana já deixou de freqüentar o cardápio da nossa sociedade afluente. Se não fosse assim, ao invés da frase “nossos camarões são cultivados em cativeiro”, poderíamos estar lendo “nossos negros e índios são cultivados em cativeiro. Por isso a carne deles é macia e nutritiva”.
Será que também não somos o que somos porque alimentamos  pensamentos cultivados em cativeiro? A natureza não colocou cercas de proteção para as zebras e os antílopes. Ao invés, deu-lhes pernas ágeis e um aguçado faro. Com isso eles se defendem e sobrevivem. Antigamente os bois eram criados em campo aberto. Muitos deles fugiam e sua carne era dura.  Hoje eles são criados em confinamento. Engordam e sua carne é macia. Liberdade outorgada é cativeiro disfarçado. Liberdade verdadeira só aquela que se conquista.
Ah! Como são perigosas as relações que a mente estabelece quando a deixamos solta por aí. Ouvi falar de um cara que deu um tiro na mulher porque naquele dia visitou um cliente que tinha uma cabeça de touro, com um par enorme de chifres, empalhado na parede do escritório. A vistosa cabeça tinha uns olhos que pareciam segui-lo para todos os lados. 
Dito isso, concluo que a minha quota de associações livres está esgotada. Já é hora de voltar para o meu redil de pensamentos controlados. Não sei por que, perdi a vontade de comer camarões. Acho que hoje vou encarar um vegetariano.