RAZÃO PARA ATRAVESSAR A RUA

Não existe razão para atravessar uma rua movimentada a troco de nada. Deve ser o que pensou aquele cachorro na calçada do outro lado. Entre ele e eu os carros, a poeira e as vidas sobre rodas que vão para algum lugar. E se estão indo para um destino que eu desconheço, lógico, é por que está vindo de um ponto qualquer no mapa.

Mas um ponto qualquer no mapa não significa que é um lugar qualquer. Aliás, nem todo ponto, ou lugar, existe no mapa. Quem mora no meu coração não é localizado pelo GPS dentro do meu órgão bombeador. É localizado trabalhando, estudando, indo à feira, ao supermercado, mas não dentro dos meus ventrículos ou dos meus átrios.

E aquele cachorro do outro lado da rua? Será que ele tem alguém em seu coração? Não exatamente pelo que eu sei. Cães agem por instinto. Tem um GPS na ponta do focinho para captar certos odores. E aí quando ele captar, você já sabe o que acontece. Aí sim valerá a pena para ele atravessar a rua.

Quanto a mim, espero que alguém me note e sinta vontade de vir até aqui, onde estou, na mesa desse bar, por achar que valha a pena serpentear entre os automóveis, ou ir mais adiante atravessar a faixa.

Enquanto isso não acontece, a cerveja desce amarga para inundar meu velho coração onde ainda residem algumas pessoas do passado.