Assim ou ... nem tanto. 138
De ninguém
Quando o acharam louco tinha, bem medidos, quarenta. Sem ninguém que o cuidasse trazia no corpo pó de muitos dias e a cabeça, de cabeleira crescida e rebelde, era o lugar de uns olhos negros acesos e muitos pelos. A barba avolumava-lhe o perfil e o tronco nu, frágil, acabava nas calças velhas, sujas e rotas. Ajudava no corte do sisal e ganhava meia dúzia de moedas que pagavam o que comia. Nunca falava. Ignorava ditos e risos como se não lhe apetecesse ouvir ou responder. Não tinha ninguém. Não pertencia a ninguém. Quando ela se dispôs a cuidar dele achou em todos um silêncio feroz. Teimou. Conseguiu que a acompanhasse e viu-o rir quando olhou o pedaço de espelho onde se mirou de cabelo cortado e barba feita. Depois do banho vestiu roupa lavada, comeu da sopa e bebeu. A seguir, como se nenhuma razão mais houvesse para se manter fechado, sorriu-lhe e falou. A voz gutural trazia à conversa só palavras suficientes. Ficaria, sim, a viver ali com ela. Precisava de tempo para se tornar comum mas prometia fazer-lhe companhia até que ela, esquecida da viuvez, procurasse outro homem. Nessa altura, sairia para um outro lugar qualquer. Todos os lugares são bons, quando nos achamos certos com eles, disse. E ela respondeu: este lugar é o certo para nós os dois.