Sebo do Amadeus e o Túnel do Tempo
Quem entra no sebo do Amadeus, em Foz do Iguaçu, na R. Barão do Rio Branco, entre JK e Brasil, depara com um mundo paralelo como o de Harry Potter. Lembram-se do Beco Diagonal? Tocavam-se certas pedras do muro numa estação de metrô de Londres e se entrava no mundo dos bruxos, do qual Harry Potter fazia parte.
Quando o conheci, pensei logo em Amadeu, livraria tradicional de Belo Horizonte, e logo numa franquia. Benza-os Deus: os sebos ocupando lugar no mundo moderno! Inacreditável! Mas não. Não era franquia. Por incrível que pareça um é Amadeu, já falecido, e tem duas livrarias em Belo Horizonte administradas pela filha. Seu nome foi sempre associado ao sebo. Já o nosso é outro, é Amadeus, que trabalha com livros desde 1986 e está naquele endereço desde 2006. Mas não é nem Wolfgang nem Mozart: Amadeus Mariano, às suas ordens. E o Amadeus paranaense é um conversador nato e muito bem informado sobre seu negócio e sobre as modernidades.
Pois bem: entrar na livraria e sebo do Amadeus em Foz é viajar no Túnel do Tempo, como naquela série dos anos 60, 70. Você se encontra, por exemplo, com o Luís, que vem de Londrina em busca dos gibis da infância; com o Guilherme, que procura a coleção de livros “Alvorada da Vida”, edição de 1956, presente do pai quando aprendeu a ler e, logo em seguida, vem um rapaz atrás do álbum de figurinhas “Marcelino Pão e Vinho”, que será um presente para o seu avô. E há outro cliente, eu mesmo, louco para reaver o livro “A Reabertura do Paraíso Terrestre”, do francês Clément Vautel, com o detalhe de que deve ser na versão em português da década de 1920. Tudo no espaço de duas horas, num sábado de manhã. E você ali, vendo jogo de tênis, bola pra 1800, bola pra 2030, volta a 1950, retorna a 2010, a 1500, pra lá e pra cá... sem cansar.
E ninguém fica sem resposta. Amadeus entra na internet e busca as livrarias que anunciam o “Alvorada da Vida”, pergunta se ele mesmo faz a encomenda do livro, negocia os gibis com o Luís de Londrina, escarafuncha as prateleiras e volta feliz com o álbum do “Marcelino Pão e Vinho”. Não pode, no entanto, reabrir o “Paraíso Terrestre” nem encontrar o livro em nenhum sebo do mundo – pelo menos até hoje - mas puxa conversa e ouve interessado a minha história:
- Eu estava passando em frente da biblioteca pública de minha cidade, quando vi um pessoal na porta numa atividade de limpeza. Curioso, fui bisbilhotar. Numa das caixas com livros velhos, alguns imprestáveis, estava um que tinha lido nos meus tempos de ginasiano. Era “A Reabertura o do Paraíso Terrestre”, editado no Porto, traduzido do francês. Perguntei: isso é pra ser jogado fora? Sim, responderam. Logo pedi se podia ficar com o livro.
- Claro, é velharia, rssss. A gente ia jogar fora mesmo...
- Saí acariciando o livro, quase intacto para uma edição já beirando os oitenta anos naquele tempo. Apenas a capa tinha se soltado. Levei a um restaurador e ficou novinho. Logo emprestei a meu pai que emprestou a minha prima, minha prima disse que devolveu a meu pai e meu pai disse que não se lembrava, procurou e não encontrou. E a prima teimando que tinha deixado com ele. O certo é que nunca mais se viu o tal livro. Fico pensando se não sonhei.
- Que curioso, não é?
- Sim, estou encucado até hoje. Já são mais de 20 anos.
De repente, interrompendo nossa conversa, entram em revoada alguns piás, que é como chamam os garotos em Foz do Iguaçu, ainda uniformizados, já gritando:
- Tá na hora de trocar figurinhas?
E Amadeus:
- Sim, ali no canto já estão trocando. Vão pra lá.
De repente, passamos de 1920 para 2018, do interior de Minas e do Paraná para Moscou. A Copa da Rússia está aí. E meu álbum ainda não completei. Quem tem o Cristiano Ronaldo? Dou dois Neimar e um Messi nele. É o valor atual de mercado.
Em poucos minutos, já estou envolvido com a criançada, voltei da viagem no tempo, pais, mães, avós e tios, todos no presente de novo, numa azáfama deliciosa. De repente, tudo faz sentido. Estamos preparando material para os sebos do futuro.