O FRANGO FRITO DA VOVÓ

Uma matéria do Domingo Espetacular falava sobre a delícia que é comida de mãe. E mostrava a família italiana devorando lasanhas e polpettas, a família portuguesa, a família japonesa, a família brasileira compartilhando o feijão com arroz... faltou a família alemã devorando uma cuca, mas nada é perfeito.

Tenho gratas lembranças da minha mãe, mas não no terreno gastronômico. Por que a verdadeira delícia que marcou minha infância foi o frango frito da minha avó paterna.

Não que fosse um manjar dos deuses, a sétima maravilha gastronômica do mundo, ou algo assim. Era um pedaço de frango, geralmente o equivalente à sobrecoxa de hoje, temperada somente com sal e frita em um caminhão de banha de porco. Hiper calórico, uma verdadeira aberração para os adeptos da boa forma. E nem era minha avó que preparava, pois na época ela já estava confinada a uma cadeira de rodas improvisada, depois de sofrer um AVC que paralisou o lado direito de seu corpo, passando a ser cuidada em tempo integral pela minha tia Olga, uma solteirona de cara fechada, mas dona de um coração pleno de ternura, que não cabia naquela casa enorme que as duas habitavam.

O que tornava o frango especial era o ritual diário que envolvia a coisa, pois a minha avó sempre guardava um pedaço para quando eu chegasse. Ainda hoje, passados quase trinta anos da morte da Vó Mathilde, eu insisto na convicção de que eu era seu neto preferido. E ela teve muitos, fora os bisnetos e creio que até tataranetos, pois ultrapassou o terreno dos noventa anos e só de filhos sobreviventes, foram onze (perdeu um inda moço). É que os demais moravam longe e os meus irmãos já eram mais crescidos. Eu ia quase todas as tardes até a casa da vovó, com a desculpa de tomar conta dela enquanto tia Olga trabalhava na horta. Era um encanto. Vó Mathilde foi minha primeira plateia, pois eu imitava em minhas brincadeiras os filmes de faroeste e detetive que assistia na nossa velha TV preto e branco. Mas também era uma maneira de fugir da lida na roça.

Quase todas as tardes, além das brincadeiras, eu sabia que vovó tinha reservado um pedaço do frango frito de seu almoço para mim. Não creio que ela deixasse de comer frango por minha causa, pois tia Olga sempre exagerava na quantidade de comida. Mas tenho certeza que o maior pedaço sempre ficava para mim. Era chegar, abrir a porta do pesado guarda-comida de madeira e encontrar a iguaria, na infalível bacia de barro que hoje nem existe mais. Se eu fechar os olhos, posso sentir o sabor desse frango, uma delícia que nunca consegui preparar igual. Um pouco pela minha falta de paciência na cozinha, por que o prato, embora simples, exige, além do caminhão de banha, um tempo certo de fritura para alcançar a crocância ideal; um pouco por que os frangos que a gente compra hoje nos supermercados tem aquela consistência de gelatina que se esborracha toda na hora de fritar, diferente do frango caipira que nossa família criava. Mas principalmente por que minha avó tinha guardado um pedaço para mim.

Podem exaltar a lasanha da Nona, o arroz com feijão da Maria, que para mim não fazem mossa: a melhor comida do mundo sempre vai ser o pedaço de frango frito que vovó guardava para mim.