A Guerra das Britas

A Guerra das Britas

Não havia ainda o asfalto naquele modesto bairro da Baixada Fluminense. Eu e minha irmã éramos muito crianças e a diferença de idade era de apenas um ano. Um fato acontecia todas as tardes ao retornarmos da casa da explicadora, levávamos pedradas da menina Lúcia, uma pobre criatura que cuidava dos três irmãos menores e carregava sempre em seus braços o pequeno de fraldas, Tundeco.

Tínhamos que passar em disparada para que diminuísse a quantidade de pedras a nos atingir e protegíamos as nossas cabeças com os cadernos encapados que ficavam marcados de britas, mas não contávamos nada para D. Luíza, uma mineirinha arretada que poderia nos punir ao pensar que nós fôssemos as iniciadoras da rincha.

A mira da pequena Lúcia era eficiente, parecia que a atrevida vizinha praticava tiro ao alvo com o formato de nossas moleiras todos os dias, pois era impressionante a forma dela nos atingir. Quando em velocidade percorríamos o trajeto de casa, Tundeco era colocado imediatamente na calçada e as saraivadas voavam em nossa direção.

Contudo um dia aquilo tinha que acabar e arquitetei um plano dantesco para acabar de vez com aquele desassossego. Havia uma pilha de pedras frente à varanda de nossa casa que nosso pai acabara de comprar para continuidade da construção e que também servia de escada para que escalássemos o muro a avistar as pessoas a passar. Logo descobrimos que toda manhã bem cedinho antes de irmos para a escola, Lúcia vinha com Tundeco pendurado em seus braços comprar pão na padaria sob o olhar dos outros irmãos, Bicoca e Zela, que sobre o monte natural de pedregulhos da rua aguardavam a bisnaga quente que acabara de sair do forno para ser dividida e consumida.

À noite, Silvana me alertava e chorava amedrontada:

- Não vai dar certo.

Eu procurava acalmá-la e dizia:

- Essa história tem que acabar amanhã, eu não aguento mais esta situação.

O dia amanheceu e a tocaia estava pronta. Subi no monte e protegida pela barricada, recebi as munições de minha irmãzinha que exagerou na escolha do tamanho da pedra e assim que avistei Lúcia do outro lado da via, preparei o tiro fatal e arremessei precisamente a pedra que mal cabia em minhas mãos a atingir em cheio o braço de Lúcia o fazendo amolecer a deixar Tundeco cair sobre a poeira que amorteceu sua queda e o que vimos foi descerem do morro os demais companheiros, Bicoca e Zela, em disparada, acompanhados de um arsenal de pedregulhos a atacar nossa residência.

Seu Júlio saiu sobressaltado e de arma em punho e quando viu que era uma brincadeira de crianças, aliviou suas dores a distribuir ardentes chineladas nas suas princesas que haviam sido as precursoras da “Guerra das Britas”.

“...e não devemos fazer justiça pelas nossas próprias mãos.”

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 08/05/2018
Reeditado em 08/05/2018
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