“O FUTURO DAS POLÍCIAS NA BERLINDA E O JOGO DE INTERESSES POLÍTICOS”

Data: 31.05.2000, horário: 10:24 horas:

O Delegado Ademar Rezende havia telefonado para a “Assistência Jurídica” E trazia como novidade as duas investidas de Heitor Sché quanto aos projetos de transformar o Detran em autarquia e acabar com o sistema jurídico de entrâncias na Polícia Civil. Perguntei a ele o que seria que Heitor estava pretendendo? E ele respondeu de maneira convicta que se tratava de política de “terra arrasada” ou quanto pior melhor para ele, porque depois ele retornaria como “salvador da pátria”. Não concordei muito com a avaliação de Ademar, apesar de não descartar a hipótese de haver sentido no que ele estava prognosticando, mas pensei que talvez Heitor estivesse querendo chamar a atenção dos policiais civis, especialmente dos Delegados, impondo sofrimentos a todos os membros da instituição, especialmente aos Delegados que de certa forma lhe abandonaram, o esqueceram ou, ainda, para satisfazer seus caprichos. Talvez Heitor Sché tenha colocado em primeiro plano interesses e projetos pessoais, mesmo que isso importasse em retrocessos institucionais, em sucateamento das instituições.

Na verdade parecia que Heitor queria atingir não só o pessoal que se antagonizava a seus interesses na Segurança Pública, haveria um quê de vindita? Para tanto, teria escolhido atingir irremediavelmente não só os Delegados, mas a própria Segurança Pública e a Polícia Civil. Diziam alguns que Heitor Sché estava sendo assistido pelo Delegado Maurício (Noronha) – Delegado inativo e adepto de uma polícia operacional, além disso diziam que defendia muitas de suas ideias, como por exemplo a desvinculação do Detran da Polícia Civil e que estaria interessado em concorrer à sucessão do Delegado Mário Martins na Presidência da Adpesc, fazendo frente ao Delegado Ricardo Thomé.

Quanto aos comentários sobre o fim das entrâncias  lembrei que com as últimas promoções, os Delegados de Polícia tiveram que ser removidos forçosamente para novas comarcas em função da opção pela nova lotação. Ocorre que muitos Delegados – apadrinhados por  políticos e governantes - foram designados para prestar serviços na Capital... e  evidente que aqueles vinculados a Sché não devem ter recebido esse mesmo tratamento, estão estaria aí seu interesse em querer destruir com esse sistema. Além disso, havia aquele seu projeto de reestruturação de vencimentos, e que talvez pretendesse reestabelecer a ordem anterior, como aconteceu na época em que foi Secretário de Segurança,  quando aprovou projeto de lei assegurando a algumas categorias funcionais quase que remuneração similar aos Delegados (diferença de uma classe) com isso faturaria politicamente, dando a volta por cima quando tudo estivesse à beira da destruição e, talvez,  se constituindo no provável “salvador da pátria” prognosticou o Delegado Ademar Rezende.

Sobre as investidas de Heitor na Assembleia, no sentido de atingir, especialmente, a Polícia Civil, o Delegado Braga [1]esteve na Assistência Jurídica (trouxe o projeto de autarquização do Detran) demonstrando estar bastante abalado e lamentando não só ter votado naquele parlamentar, mas, principalmente,  o fato de ter se engajado na sua última campanha eleitoral. Fui ler a proposta de Emenda Constitucional e constatei que ela propunha a revogação do inciso III, do art. 106, da Constituição do Estado que foi aprovado na sessão do dia 10 de maio, dia da Polícia Civil.  Sché estava mostrando a sua verdadeira face e,  segundo Braga, só ouvia Arthur Sell e o Tenente Mário, não estaria mais ouvindo Maurício Eskudlark, conforme este lhe havia confidenciado.  Era muito provável que o Detran fosse estratégico para Sidney Pacheco e/ou Julio Teixeira (autoescolas, despachantes, muito dinheiro, favorecimentos, licenciamentos de veículos, multas e etc.) e para futuras campanhas eleitorais. Então, a impressão era que existia uma guerra de bastidores, isto é, Heitor Sché e os outros adversários e sua investida era fulminar com o Detran, transformando em uma “autarquia” para acabar com os esquemas políticos naquele órgão, de maneira a neutralizar seus futuros oponentes e suas pretensões políticas.

O Delegado Braga chegou a comentar comigo que a escolha de Lipinski se deveu única e exclusivamente por decisão do Secretário Chinato, em razão de sua atuação na Corregedoria-Geral da Polícia Civil. Braga chegou revelar para mim e Wilmar Domingues que o motorista de Lipinski teria ouvido este conversar pelo telefone celular com o Secretário Chinato, quando teria dito  que essa escolha poderia resultar em resistências pois  não era  final de carreira. Do outro lado da linha o Secretário Chinato teria respondido  que isso não importava e que não aceitaria qualquer  tipo de pressão e que a escolha já estava definida.

No Diário Catarinense, a entrevista do Senador Cacildo Maldaner:

“(...) Esta eleição, é clara, está atrelada à de 2002...

Pois é, outro projeto importante é a Reforma Política, que deve acontecer depois das eleições de outubro. Acho que haverá um entendimento entre setores do PSDB, PMDB e PPS. Não podemos tirar o Ciro Gomes dessa proposta. O PPB e o PFL vão ressuscitar o Arenão. Jorge e Esperidião repetirão a antiga Arena. Eles têm que aprender a ser oposição no campo nacional. Desde a ditadura sempre foram governo. Até na época do Collor. Lá estava o Borrnhausen.

Mas o senador Bornhausen também esteve com vocês aqui em Santa Catarina.

Na hora que virou carne de pescoço ele saiu. Só  ficou durante o filé mignon. Eles têm que aprender  a ser oposição no âmbito nacional. Quais são os âncoras  do Amin e do Bornhausen? O Greca, o Pitta, o Maluf, o ACM, a Nicéa.  Nós vamos apresentar no palanque num segundo turno em Florianópolis, o Freire, o Ciro, o Simon, o Lula, o Garontinho, temos gente.

Pensando em voz alta

A Lei da Mordaça, se estivesse valendo, não permitiria denúncias como as que envolvem a Embratur e a Artplan” (DC, Paulo Alceu, 31.05.2000).

Noutro jornal:

“Pressão dos militares adia unificação das polícias

Querendo evitar novo desgaste com as Forças Armadas, governo manobra para tirar o debate do Legislativo e prepara-se para devolver o tema aos estados

A mudança constitucional que permitirá a unificação das polícias civil e militar, um dos projetos mais importantes  e polêmicos de segurança pública, eleita como uma das áreas prioritárias pelo Palácio do Planalto esse ano, deve ser congelada na Câmara dos Deputados. Longe do consenso político para a aprovação e sob o efeito de um poderoso lobby, a proposta  corre o risco de naufragar ou, pior, ser totalmente  descaracterizada, na avaliação do primeiro escalão do governo. Para evitar danos, a ideia é tirar o foco do Legislativo e devolver a questão aos estados, incumbidos de implementar  medidas que integrem  as duas forças, etapa preliminar à mudança definitiva (...).

Futuro das Polícias

Os projetos que analisam as corporações

PEC 151/95

Autoria: deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE)

Conteúdo:

-Assegura que 50% das vagas iniciais de cada carreira nos órgãos responsáveis pela segurança pública serão preenchidas mediante ascensão funcional dos ocupantes da classe final da hierarquia imediatamente inferior.

PEC 514/97

Autoria: Poder Executivo

Conteúdo:

Desconstitucionalização das polícias como órgãos de segurança nacional. Passa aos governadores a autonomia sobre suas policias, que ficariam desvinculadas da União. A competência na apuração de infrações penais, o exercício das funções de polícia judiciária, a preservação da ordem pública, a execução de atividades de defesa civil, os serviços penitenciários e os bombeiros passa a ser do Estado, que decide se unifica, ou não, as polícias.

PEC 613/98

Autoria: Zulaiê Cobra (PSDB/SP0

Conteúdo:

Cria a Polícia Estadual, totalmente desmilitarizada, mantida e organizada pelos Estados. A União fica responsável pela Polícia Federal. Os dois poderes podem celebrar convênios. A União manterá uma Secretaria Nacional de Segurança Pública, que coordenaria os Conselhos Regionais e as Secretarias Estaduais de Segurança.

Projeto ainda fora do Congresso

(de autoria de juristas, ouvidores da polícia e secretários de segurança)

Conteúdo:

Extingue a dualidade na função policial, criando  a Polícia Estadual. Alteração do funcionamento da persecução  penal: o inquérito policial será abolido, extinguindo a chamada polícia judiciária. Extinção dos tribunais militares estaduais. Degraus da carreira policial serão diminuídos e diferença máxima entre os salários será de quatro vezes. Aposentadoria após 35 anos (atualmente em 30 anos).

 (Jornal dos Delegados/RS – março/abril/maio 2000, ano V, n. 37, p. 10).

Os jornais reiteravam sua desconfiança acerca da CPI do narcotráfico... e a preocupação que não cheguem a conclusão alguma...

À tarde, movimentações de grevistas pelo centro da Capital, todos revoltados com o FMI/FHC e outros tantos mais, presságios daquela época anti collor, o mesmo que foi tão ovacionado outrora pelo mesmo povo.

Também fiquei sabendo do “fiasco” da posse, todos comentavam: Poucos foram a posse de Lipinski e Rachadel; esqueceram de convidar o Secretário da Justiça (Paulo César) para compor à mesa; o repórter Hélio Costa (assessor de imprensa/SSP/DGPC), inadvertidamente,  convidou Rachadel para falar aos presentes, tendo ele antes dito reservadamente que não falaria. Com o microfone na mão, Rachadel disse tão-somente “que nada tinha a declarar”;  Arthur Sell por ser da facção Heitor Sché, como Diretor da Acadepol teria boicotado a solenidade, mandando recolher o lixo naquela  hora;  o Secretário Chinato não quis proferir palavra alguma.

De saída da Delegacia-Geral encontrei Walter (o “Guarda-Chuva Velho”) e enquanto tomava um cafezinho ao lado da central telefônica, percebi que ele não se continha e saiu da frente da televisão na recepção e veio ao meio encontro para comentar as novidades:

(...).

Pois é, o Maurício foi a posse lá na Academia, disseram que ele vai responder pelas duas diretorias, dizem que vão fazer uma só e ele vai assumir tudo sozinho. (Walter)

É verdade? (Felipe)

Sim, eu falei com ele, disseram para ele lá na Academia hoje à tarde.

Bom, se disseram...

Eu se fosse ele, nessa altura,  teria pedido para ir embora.

Ouvi dizer que a filha do Pacheco iria assumir a Diretoria de Polícia do Litoral, a Andréia... [fiquei sabendo do no dia seguinte (por meio da Comissária Vilma) que ela teria comentado com policiais civis da Delegacia de Palhoça que seu nome tinha sido cogitado]

Mas ela m. o m., como é que pode, todo mundo sabe disso?

(...)”.

Não comentei nada, procurei me conter e apenas completei:

-  Walter, tudo isso é muito triste, é uma tristeza muito grande ver as coisas desse jeito.

(...)

E, antes de deixar o local,  Walter fez comentários a respeito do Delegado de Wilmar Domingues:

Olha cara, uma pessoa com quem eu nunca mais pude ser a mesma é o Wilmar Domingues.

O quê?

É o Wilmar aqui do lado.

O que quê tem ele?

Eu antes era muito amigo dele, brincava, até que um dia eu conversando com ele coloquei a minha mão no ombro dele e ele olhou para mim e perguntou quem tinha dado autorização para que eu colocasse a mão ali, olha cara a partir daquele dia nunca mais foi a mesma coisa, falo com ele tudo, ele chegou até pagar a inscrição do meu filho para o vestibular, ele é uma pessoa de três personalidades.

Olha Walter eu sou muito amigo dele, não posso acreditar que isso tenha acontecido.

(...).

E nisso chegou Optemar com seu filho, havia também outras policiais que acabaram de descer no elevador, tratei de me despedi e sair de mansinho.  Enfim, tudo realmente era muito triste, de uma tristeza imensa e lembrei da última conversa com Lipinski na “Assistência Jurídica”, afinal, não sabia que ele já havia sido convidado para ser o novo Delegado-Geral, em que pese a “panca”, como observou Jô Guedes, mas fiquei com a pulga atrás da orelha por que ele teria vindo me sondar?

À noite, na TV Senado, Amin apareceu com desenvoltura circulando pelo Senado, ora sentado ao lado do Senador Roberto Requião, ora do Senador  Agripino Maia (presidente da Comissão de Constituição e Justiça) e, também,  junto à  mesa dos trabalhos onde o Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro  falava. Soube que além de dar o ar de sua graça teria ido tratar  da anulação das famosas “Letras” relativas aos precatórios e que não foram negociadas, tendo ele prometido queimar os papeis em praça pública no mês de junho/2000. Pensei comigo: “quem viver verá?”

O mês de maio se foi e, também, foi-se aquele nosso projeto. Estava de pé a próxima reunião daquele velho grupo prevista para o dia 18 de junho, quando seria o anfitrião em minha casa  (apesar dos amigos ausentes). Jorge Xavier, estampando uma felicidade radiante, transparecendo estar bem melhor do que das outras vezes, quase que curado das dores da alma e Leninha recepcionaram  o pessoal na sua residência no último encontro no mês de maio (Garcez, sempre cético e incrédulo, para variar, não apareceu). Compareceria na próxima? Esperava que todos comparecessem, pois pretendia colocar no vídeo algumas fitas para juntos relembrarmos momentos não tão distantes, mas que certamente marcaram nossas vidas.

E, de resto, teríamos que conviver com nossos sonhos, nossas frustrações, cujo passado era indestrutível e eternos, lembrando uma grande passagem:.

“O bem viaja com a velocidade de uma lesma. Aqueles que querem praticar o bem não são egoístas, não estão com pressa, sabem que é preciso muito tempo para impregnar as pessoas com o bem” (Mahatma Gandhi).

KadijaFurlam
Enviado por KadijaFurlam em 07/05/2018
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