A [IR]RELEVÂNCIA DO VOTO
O voto só é imprescindível pra quem não dispõe
ou não quer se valer de outras formas de pressão, manipulação e controle.
Se você mora no Brasil, certamente já ouviu várias vezes o chavão: "o voto é a principal arma do cidadão".
As pessoas que repetem isso frequentemente o fazem por uma de três razões: completa alienação sobre a singularidade da participação direta do indivíduo na luta pela efetivação de direitos; falta de disposição para defender a própria sobrevivência; ou conveniência em função da classe a que pertence e da situação, principalmente econômica, em que se encontra.
A classe média brasileira jamais teve voto pra eleger um presidente da República; porém, a consciência do seu papel na sociedade de classes e a necessidade de defesa de seus interesses levaram-na a ter o seu presidente, mesmo que não eleito. Isso é consciência política; isso é consciência de classe.
Os integrantes da classe média não se quedaram apenas reclamando que a Dilma e o PT traíram a classe empresarial. Ao invés disso, cuidaram de construir uma agenda e um plano para, mesmo sem voto direto do povo (porque indiretamente os votos que confirmaram Temer na Presidência são do povo, na medida em que o Congresso que o elegeu foi eleito com tais votos), constituírem o presidente que, de fato, os representa.
Temer ascendeu ao posto de presidente sem voto popular.
A aprovação de seu governo não chega a 10% - o que significa que nem os que lutaram pela queda da presidente eleita o aprovam.
Ele é corrupto e, ao que indicam as denúncias, lidera, há anos, um forte esquema de corrupção.
A recuperação da Economia mostrou-se uma falácia.
A reforma trabalhista, mesmo precarizando ainda mais as condições de trabalho, não gerou mais emprego.
A Operação Lava Jato sofreu várias intervenções no sentido de enfraquecê-la.
Todas as politicas sociais, incluindo a Educação, sofreram retração.
O déficit público e o desemprego continuam aumentando.
Dos principais ministros do Governo, os que não caíram por corrupção, estão sob investigação pelo mesmo motivo...o próprio presidente também.
E daí?
Qual desses problemas afetam a classe média ou seus interesses?
O presidente continua a se pronunciar em rede nacional de televisão
Mas...
Não há panelaços nem luzes apagadas na hora do pronunciamento de Sua Excelência.
Não há pato amarelo nem boneco do presidente vestido de presidiário.
Não há protestos na Paulista nem em Copacabana.
Não há promotor jejuando nem cacique das Forças Armadas anunciando intervenção militar.
Você está impressionado com a passividade da classe média diante de todos esses desmandos?
A mim, ante a lógica de sobrevivência na sociedade de classes, nada disso surpreende.
Deixa-me perplexo, porém, a ingenuidade da classe operária, que, quando convocada, ou até de ofício, embarca nos pseudoprotestos da classe média apenas para fazer volume a favor desta que, por sua vez, não se reconhece como classe trabalhadora, preferindo identificar-se como burguesia.
Os protestos da classe média brasileira nunca foram contra corrupção; e sim contra o projeto que a grande massa operária – que é quem, numericamente, decide as eleições – havia escolhido como o que deveria ser executado pelos próximos quatro anos. Isso não significa, nem de longe, afirmar que este era o melhor projeto – não é esse o mérito da abordagem –, mas o que foi aprovado nas urnas; isso é mais do que suficiente para que ele fosse respeitado, muito embora, para muitos, não aceitável.
Eu me esforcei... tentei, dentro de minhas possibilidades e limites, clarear um pouco. Porém, se você, por ventura, quiser acreditar (ou continuar acreditando, se for o caso) no velho clichê de que voto sem participação consciente é mais importante do que participação, mesmo que não haja voto, não tem problema; não vamos iniciar a Terceira Guerra por isso.
A sociedade de classes não vai acabar agora. Portanto, para quem quiser, oportunidades para se posicionar do lado que achar mais coerente, ou conveniente, não faltarão. E, para votar também não – pelo menos eu espero.