O ACROBATA

Cair: verbo intransitivo que finda seu sentido em si mesmo. Ser ou estar, primeiro verbo a ser apreedido em uma língua. Viver: verbo que pode conectar-se a todos os demais e traz implícito seu esboroar-se. Assim a vida parece estender-se entre diversas conjunções e sintaxes. Perder-se em morfologias talvez seja próprio dos filósofos. "Viver" em si mesmo não depende dos significados, nem dos radicais, nem de declinações. É só uma linha entre dois extremos. E alguém a cruzar por ela. À diferença dos espetáculos circenses, nós não sabemos onde é o outro lado, mas sabemos que haveremos de cair um dia. Em algum momento faltar-nos-ão forças nas pernas, equilíbrio, vontade, ânimo, virtude, coragem, bravura, fortuna. Faltar-nos-ão meios de prosseguir em frente, mesmo sabendo que possa ser inútil e muitas vezes, colocarão ardis para que caiamos no laço. Alguns, quando isso se der, nem se darão conta que caíram, outros se agarrarão no fio que insiste em balançar esperando a ser destencionado. Outros aida chegarão perto de voltar à linha, tentarão se arrastar até o final... até perceberem que na verdade não há um final, e que mesmo depois de deixarem o caminho, o caminho continua. Uns farão de tudo para significar seu trajeto. Pegarão a barra mais bela, mais ornada, a encherão de fitas azuis, amarelas; colocarão um nome pomposo, provavelmente reflexo de um sonho, de uma saudade de um super-heroi, de uma brincadeira de criança; tentarão legar esse sonho a outros que vem atrás dele - alguns até serão lembrados, quiçá imortalizados na memória coletiva. Mas outros viverão para si o desdém de saber-se num espetáculo inútil, numa piada que se repete, numa plateia que emudeceu ante o espetáculo que há muito já perdeu a magia. Outros viverão atônitos, voziferarão sonhos escatológicos sobre as possíveis realidades do fim da linha, atribuirão à linha em si espinhos a roer-lhes a carne, realidades que afligem o trajeto e dirão a si mesmos que encontraram a razão do andar e que este percurso é deveras perigoso e que nessa certeza encontraram a paz de espírito que tanto buscavam. Outros, e creio que estes saõ os menos aflitos, tentarão aproveitar o caminho ao máximo, deleitando-se no seu próprio cansaço, na sua capacidade de equilíbrio, no sorriso furtivo de alguém da plateia, nos outros que virão após ele, sabendo que algum momento será o momento, não de cair, mas deixar-se cair. Quando isso lhes ocorre não tentam agarrar-se à linha, mas sorriem pra ela e em serena queda somam-se aos mortos que jazem na lona para ser enterrados tendo como consolo o fim do cansaço e o apagar das luzes. Mas o que une todos é que no final vem a certeza de que viver é um verbo intransitivo.