Sabugo, quase um sabugo
Um sabugo é apenas uma espiga de milho nua e sem grãos. Se muitos, coisa, lixo para os adultos; aos meninos já crescidos, sinal das festas juninas. Mas para as crianças de então, um precioso brinquedo: se quadrado, toras de madeira para se brincar de curral, onde ficavam, como bois, caroços de milho, lagartas verdes ou marrons; se roliços, com as pernas de palito, compridos cavalos para pastorearem o gado. Brinquedos eram assim, sem comercialização das coisas de plástico, nem das invencionices tecnológicas, movimentadas pela energia das pilhas; brincava-se com a natureza, como se fosse bichos, gente, costumes, com as coisas mais simples.
Os senhores de terra contemplavam, no milharal, as centenas de mãos de milho que levariam às feiras, aos cuidados dos matutos que plantavam, colhiam, ensacavam e vendiam para entregar o dinheiro ao patrão, cuja mulher, ao lado, dizia: “Esse ano, vai ter muita pamonha, canjica e milho assado na fogueira”. A fantasia das crianças estava no que estava escondido dentro do milho, debaixo de cada palha, por trás dos verdes grãos: o sabugo. Já as meninas imaginavam, nos já pendurados cabelos da espiga, suas bonecas. Eram brincadeiras sazonais, como as plantações de milho e as festas juninas, repetindo suas tradições: novenas, fogueiras, quadrilhas e bailes animados pelo “verdadeiro” forró.
“Quando eu era menino” é belo livro, do cronista Rubem Alves. Também com esses termos, o leitor poderá resgatar a memória dessa feliz fase da sua vida. Lembro Zilda cortando com a peixeira o milho e entregando-nos o sabugo e minha mãe costurando a saudável palha para cozinhar o coado milho moído. Hoje, usam-se saquinhos cancerígenos de plástico. Recordo: o sabugo era o querido sabugo... Era o centro das nossas atenções, nesse mundo que o arrodeava, também cheio de folclore. Na maravilhosa simplicidade das crianças, havia poésis, comparada pelo poeta Fernando Pessoa: “Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas a coisa melhor do mundo são as crianças”.