Existe um Lugar
Há uma casinha branca com varanda no Vale das Maritacas, Sul de Minas Gerais. Foi o lugar escolhido para passarmos nossas férias e sua comunidade carente possui a costumeira de esperar ansiosamente o nosso brechó de roupas elegantes da cidade grande. A alegria dos contemplados, homens, mulheres e crianças, fora mostrada nos seus bazofiados passos em direção ao culto de adoração.
Nossa primeira noite foi agraciada com o suave rumor das águas do riacho ao lado e o gorjeio dos pássaros. O sono era interrompido diariamente pela visita intencional de uma pequena nuvem verde de pássaros tagarelas que pairavam sobre a janela próxima a Banana de Macaco, árvore que sombreava o aconchego. Elas obedeciam à cronometragem de seus cantos confusos e despediam-se dos visitantes com voos acrobáticos e sintonizados que embelezavam o céu rumo à zona da mata.
Não existiam códigos de barra a nos controlar, os satélites não alcançavam as nossas antenas e libertos da sociedade de controle, aproveitávamos cada segundo e o lúdico tomava conta de nossa alma nos levando a voltar no tempo. Corríamos no meio do milharal, disparávamos munições de mamonas nas vacas leiteiras e nos entregávamos à lama barrenta da estrada durante o pique de fuga do touro atiçado.
Não havia prisão, não havia punição, não havia crime, era como o ano zero, somente a natureza comandando os nossos passos e a sociedade disciplinar fora substituída pela ordem suprema de Deus. A comunidade era livre do capitalismo, consumiam-se frutos da terra e águas corrente levavam embora apenas cascas e ossos cooperando com a ação sustentável do ambiente. Uma utopia para os moradores das casinhas brancas com varanda, o paradigma do socialismo jamais seria quebrado. Uma vida humilde e rica de valores éticos conquistados com a própria necessidade de sobrevivência, esta era a representação do lugar que resolvemos passar as nossas férias e descobrimos que a simplicidade é o caminho para a desalienação do homem.
Chegou a hora de partirmos e o Vale já nos deixava saudade, a visão panorâmica dos cafezais demoraria a fugir de nossas mentes, mas um paradoxo nos aguardava a fim de voltar a explorar a nossa demência digital e nos punir pelo irreconhecível.
Enfim, despedimos dos nossos e no percurso de encontro à rodovia, percebemos o bando de maritacas que nos guiava até o asfalto e nos desejava:
- Boa viagem.