O Diário de uma Vassoura
Houve um tempo em que ficávamos no chão, atrás da porta. Hoje temos nossos ganchos, e cada uma fica no seu, a espera. Eu não gostava do piso gelado e úmido do inverno. Cheguei a pensar que ia ficar assim até o fim de meus dias. Viva a evolução.
Logo pela manhã sou sempre a primeira a ser lembrada, e lá vou eu toda faceira, para inveja da minha colega de palha, coitada. Levam a linda palha amarela dela a se sujar na terra. Ainda bem que meus pelos são melhor tratados. Só atuo em poeirinhas leves. Cabe a mim deixar os quartos e a sala bem limpinhos, só que alguns esquecem que não posso chegar aos cantos sozinha. Tenho que ser encostada para, com carinho, curvar meus sedosos pelos até os pequenos espaços. Tem gente preguiçosa nesta casa que nem olha por onde me levam e o meu desempenho é que sai prejudicado! Além disso, sempre ouço conversa entre eles, interessados em adquirir um robot para me substituir. Como pode sequer pensar num absurdo desses! Será que não enxergam que uma vassoura redonda nunca chegará nos ângulos das paredes? Será que não notam que aquele objeto é frio e sem sentimentos? Sem falar nos degraus, que me dessem rapidamente e dou conta em poucos minutos sem esforço nenhum de quem estiver me pilotando. Para mim o turno acaba cedo e ainda tenho a oportunidade de tomar um pouco de sol quando me lavam e me põem para secar no calorzinho da tarde. Como é boa a minha vida e a cada dia dou graças por ser linda, pintada, delicada, um pouco convencida, reconheço, mas no geral tenho mais qualidades que defeitos. Detalhe: não tenho férias.