O Ágio da Carne
O Ágio da Carne
Eu observava na fila da carne a destreza do açougueiro nos talhos precisos das alcatras, picanhas, chãs e outras especialidades. Era uma verdadeira arte a conclusão do serviço e quando a balança anunciava o valor, o cliente satisfeito não percebia o preço salgado daquele produto que se transformaria em um delicioso prato do dia. O elegante mestre das carnes com o seu traje conforme apresentava um asseio impecável e era o que chamava ainda mais a minha atenção. Não deixava respingar uma gota de sangue naquela veste branca e o seu humor era acompanhado de uma sinfonia de assobios que adentrava em meus ouvidos maviosamente me deixando em paz com a espera. O atendimento aos clientes era finalizado com um caloroso aperto de mão e um sorriso interrompia por alguns momentos o som instrumental do artista.
Foi se aproximando a minha vez e eu já não pensava somente em uma escolha, aproveitaria a oportunidade daquele serviço exemplar e pediria tudo que estaria dentro do meu orçamento. E chegou o grande momento:
- O que o Doutor deseja?
- Eu quero 2 quilos de alcatra, por favor.
O lírico açougueiro imediatamente se dirigiu em direção ao mais vultoso pedaço de alcatra, separou uma parte e a partir do segundo corte começou a talhá-lo criando uma escadaria de belos bifes. Solicitei outras opções e o atendimento continuava impecável.
Ao encerrar os pedidos, o homem juntou toda a minha preciosa mercadoria e a me entregou com a seguinte frase:
- Agora, dá pra deixar dez reais pro seu camarada.
Era a primeira vez que eu ouvia a voz daquele ser que destruiu em apenas alguns segundos a esperança que eu tinha de um dia ver pessoas incorruptíveis.
Infelizmente a nossa cultura foi formada desta maneira e o jeitinho brasileiro nunca irá cessar.