Fé cega, faca abortada
A vida anda caindo muito de qualidade. Deixei a vida boêmia, pendurei a mesinha cativa do bar, compadre Beto Palhano foi obrigado a abandonar a birita, ta ameaçando se tornar um abstêmio chato, que no seu caso é pleonasmo. Enfim, ta indo embora a chama da vida. Na ânsia inconsciente de morrer, o homem tem vontade mesmo é de tirar férias do trabalho de viver, que nessas alturas do campeonato de pontos roubados, estamos com aquele jeitão de pretendentes a vestir o paletó de madeira, como diria João Ternura, filho difuso de Aníbal Machado.
Há dezoito anos eu era um aprendiz de vagabundo. Hoje sou vagabundo profissional, mal remunerado. Falta-me espírito objetivo. Pior que nem dou pela falta. Eu por mim acredito, entretanto e todavia, que somos viciados em acreditar em coisinhas sobrenaturais e nessa sociedade em comandita, onde somos sócios comanditários de uma empresa falida, especialista em ilusão coletiva.
Divagando aqui nesta segunda-feira, véspera de feriado do Dia do Trabalho, pensando nessa coisa de virtude teologal que chamamos fé. Não creio em Jeová, nem em Júpiter, nem em Brahma, nem em Íris, muito menos em Alá e os orixás Xangô, Oxum, Oxumaré e sua corte. Creio na milhar do tigre, 1587, apesar de jamais ter acertado no jogo do bicho. Outra coisa em que acredito: nos verbos irregulares. Não sei o que significam e seu mistério me fascina.
Creio na onisciência e onipotência do Imposto de Renda. Não tenho renda, mas vou pagar assim mesmo. Sou chamado a colaborar com o uísque dos amigos de Michel Temer, um uísque ostensivamente honesto, legítimo e velho como nosso sistema tributário ludibriador e torpe. O amor do governo pelo nosso dinheiro é mais forte que amor de mãe. Como sou educado, só posso falar um palavrão por semana. Portanto, quero mandar tudo pra tonga da milonga do cabuletê, uma esculhambação antiga feito a aversão intensa que nós, contribuintes, sentimos pelos impostos, taxas e contribuições, desde Tiradentes e sua inconfidência. O alferes foi morto e esquartejado por sua infidelidade e falta de lealdade para com o Rei que lhe tirava tudo e devolvia tão pouco. A devassa continua.
Fé, quando não se tem, se inventa. E tem gente que percebe que estamos mentindo, mas prefere acreditar na mentira. “Eu acredito é na rapaziada”, cantava Gonzaguinha. Um dia escrevi um poema em que marquei minha posição de fé no “homem redentor de si mesmo”, ainda que pasmado diante da brutal alienação desta geração do plim plim. Este cronista de quinta ordem, lendo o filósofo Bertrand Russel no livro “No que acredito”, aprendeu que todas as religiões mentem e não merecem um pingo de fé. Ele faz uma apologia ao potencial da humanidade. O filósofo inglês morreu aos 97 anos, fumando espantosos 40 cigarros por dia. Ele também não acreditava no câncer do pulmão.