UM CASO A PENSAR (Comentário à reportagem do Fantástico)

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Ao exibir reportagem especial sobre denúncias de abusos sexuais cometidos pelo ex-treinador da seleção brasileira de ginástica artística masculina, Fernando Carvalho, no domingo, 29/04/2018, o Fantástico (programa da Rede Globo), enfatizou diversas vezes o tempo de duração da investigação jornalística, a quantidade e a variedade de pessoas entrevistadas, uma evidência clara de esforço para dar credibilidade à matéria que, por si, já parece uma grande reportagem.

O que mais me chamou a atenção, no entanto, não foram as questões relacionadas à produção jornalística geral – que quase dispensa comentário –, mas algo subjacente às denúncias em si, e não destacado na reportagem, nem pelos produtores nem pelos entrevistados (exceto a representante da instituição onde os fatos teriam ocorrido): a atuação [ou a omissão] das famílias dos denunciantes como guardiãs dos mesmos.

Obviamente não estou afirmando, negando ou sentenciando nada nem ninguém; apenas conjecturando, hipotetizando, provocando-me ao exercício da criticidade.

Não chega a me escandalizar; mas, principalmente como professor de crianças, não posso esconder minha intriga com tamanho silêncio das famílias das supostas vítimas e, mais ainda, a possível razão principal de tal silêncio: a omissão dos fatos às famílias por parte das crianças; sem contar a falta de subtileza dos pais para perceberem as alterações de comportamento dos filhos, inevitáveis em tal situação.

Ora, se diante de fatos tão graves, as crianças submeteram-se ao silêncio – e, quando resolveram falar, preferiram expor-se a terceiros –, não há como ver com naturalidade a relação (de confiança – ou de desconfiança) entre essas e seus familiares – ou a reportagem omitiu essa parte.

Como educador, vejo isso como algo frustrante, preocupante e desalentador.

Ora, se, durante anos, crianças são vítimas de abusos sexuais e, mesmo não havendo violência física nem ameaças (pelo menos a reportagem não relatou isso), acabam por abandonar seus sonhos ao invés que buscar apoio em seus pais – e, mesmo quando resolvem falar, preferem a imprensa – como não ficar preocupado com isso?

Se em momentos tão extremos da vida de uma criança ou adolescente como o caso em lide estas não conseguem pedir socorro a quem, sob todos os aspectos, têm o dever e, em tese, o maior prazer em ajudá-las, há um problema tão grave quanto ou mais que o denunciado na reportagem. E, observe-se, não se está falando de 5 ou 6, mas de 40 crianças, segundo a reportagem; e, também, não se trata de filhos de famílias marginais. E mais: a instituição citada na reportagem foi taxativa: nunca recebeu reclamação de nenhuma família. Como achar isso normal?

O fato, em si, é aterrador! Porém, essa falta de cumplicidade benéfica entre pais e filhos, principalmente em idade tão tenra, é, pra mim, tão assustadora e tão comprometedora quanto ou mais que os fatos exibidos pela reportagem.

Embora seja uma realidade inegável e, até certo ponto, natural a resistência da criança – e até mesmo de adultos – ao compartilhamento desse tipo de situações com os pais, não há como nos conformar. Estamos diante de uma tragédia! E quando falo de “não nos conformar”, não me refiro apenas a demonstrações retóricas de indignação; mas de ações concretas. Esse abismo – que se tapado preveniria a maioria das tragédias como as relatadas na reportagem – não pode ser totalmente natural (e, portanto, não deve ser passivamente tolerado); é uma questão também cultural; e cultura se molda, se adequa, se reconstrói (e reconstrói), se muda; e nós, se quisermos, podemos mudar, e pra melhor.