Colecionando adeuses

Os meus mortos carrego todos comigo, levo para onde eu for. Juracy com seus poemas do Bilac e coxias sempre em movimento. Tio Claudio com suas dedicatórias em letra de forma e cadernos alinhados do jornal. Tia Marina com seus quitutes misturados aos fogos de artifício. Vó Margarida com seus cachos minúsculos e piano enorme. Tio Fernando com a eterna promessa de uma bicicleta vermelha. Vô Vinicius com seus dicionários escritos a mão e a biblioteca até o teto. Vô Nestor (que só conheci pelas histórias) com suas viagens de navio, partidas e chegadas regadas a guaraná. Tio Sérvulo com seus óculos avantajados, voz grave e ferramentas de conserto. Vó Maria com sua mesa posta pela metade, feijão singular e reações impagáveis na hora da novela. Cada um me deixou uma ferida aberta. Algumas maiores, difíceis de conviver, outras menores, mas todas ainda abertas. Cresci colecionando adeuses. Nem sempre me despedi de corpo presente. Mas de alma nunca faltaram as últimas palavras. Na missa dominical tenho lugar e hora para lembrar seus rostos e escrever intenções e orações. De resto, não preciso mais queimar fotos para fazer pó de saudade. Mesmo em anos atrás, anos analógicos, minha memória nunca precisou de papel, colorido ou não, para desfilar nas mágicas tardes de ontem, nas narrativas que guardo aqui dentro de mim. As polaroides se apagam, os cupins se alimentam, há avalanches, enchentes, incêndios. Os perigos sempre ameaçam as lembranças. Mas meus mortos continuo carregando comigo. Minha memória não é analógica nem digital, é emocional. E o que amo, eu guardo.