Uma ligação na quinta à noite .
Meu velho amigo Jorge me ligou na quinta à noite : " Zé , eu tenho uma notícia para dar que não é muito boa..." -Foi assim , suspendendo a conversa, que ele teve comigo...- Pode falar Jorge, alguém se foi, não é isso ? Sim, o Valter faleceu ( o ponta esquerda do nosso time ), quando éramos adolescentes .
O Jorge era o mais novo, tinha 14 anos, eu e o Valter 16, e estudávamos juntos, e jogávamos no mesmo time, o do colégio. Eu era o camisa cinco, meio campista, e Jorge corria pela direita. Na hora não senti muita coisa, confesso, o Valter havia namorado a minha esposa antes de mim, mas naquele tempo eu não sentia nada por ela, e nem a conhecia direito, éramos todos muito jovens.
O Valter se jogara à bebida depois que perdera a filha de 14 anos para as drogas, filha única, que ele tanto amava, e já a havia buscado algumas vezes nas bocas, e não que conseguia tirá-la do vício. Depois disso virou um espectro, acordava e ia para o bar encher a cara, voltava e dormia, e depois retornava ao boteco para se afundar novamente, esse era o único estado em que se podia conversar com ele.
Jorge me disse : " Quer vir comigo ao enterro ? "- Não , Jorge, não quero, de verdade. E ele entendeu ! Gosto de me lembrar das pessoas em seus melhores momentos.
Não converso com o Jorge há um bom tempo, somos amigos de cerveja , passado, família...sou padrinho do seu casamento e temos uma relação muito afetiva, desde sempre, e terei para sempre , é um irmão de vida. Não há cobranças entre nós .
Hoje, ele está envolvido com aqueles clubes de motos em triciclos, com roupas de couro, andando pelas estradas, e pouco fica em casa, então é raro à gente se ver, mas não importa que rumo as nossas vidas tomaram, há um tom lá longe, que soa de vez em quando e nos aproxima novamente, mesmo que em sinos de despedida .