NEM TUDO É LÓGICA

"Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade decepado

Entre os dentes segura a primavera"

Secos e Molhados

Nunca pensei que a vida seria tão generosa comigo como ela foi até hoje.

De onde eu vim, nas condições precárias em que vivi, pelas dificuldades por que passei não esperava chegar muita mais além de onde tinha saído.

Semelhante a uma corrida de cavalos, eu era como o esperançoso jóquei que se preparara por anos, mas sem às mínimas condições por estar em precária montaria, sem chances para a disputa, qualquer que ela fosse, e que por fim, quando a derrota lhe envolve com sua sombra escura e fria, leva pra casa a ingênua sensação de que com um pouco mais de sorte sairia vitorioso. Assim eu me encontrava perante meu futuro.

Mas como nem tudo é feito de lógica os azarões também chegam em primeiro.

Contrariando as estatísticas sinto-me hoje um vencedor dentro da minha insignificância.

Entre a expectativa e a realidade, e no meu caso, entre os obstáculos que me deparei de tempos em tempos, não poderia jamais reclamar da vida que tive, das pequenas vitorias que conquistei e dos frutos que colhi.

Tamanho foram os esforços para conquistar a estabilidade e o sucesso, este objeto do desejo de muitos, e que para os outros sempre pareceu tão mais fácil, fez com que eu não me sentisse vencedor, pois quando as vitorias chegavam pareciam sem valor, fáceis e banais pois estavam ao meu alcance.

Lembro-me da história que um dia ouvi de um capitão que certa vez foi repreendido pelo desleixo na sua conduta de oficial, imiscuindo-se em brincadeiras vulgares com seus subalternos, não se dando ao respeito que o posto exigia. Ele, sem pensar muito, respondeu que seu sonho sempre fora ser soldado raso e que por um descuido que a sorte por vezes comete, havia chegado a capitão. Estava de bom tamanho.

Às vezes me pego pensando e percebo que meus sonhos não são muito diferentes.

Pela condição em que vivi, em meio as dificuldades que me rodearam, tinha como modelo de sucesso algo bem aquém de onde estou hoje.

Sou um soldado raso numa farda de capitão.

Em que pese em meu ombro ostentar algumas estrelas reluzentes e o som de minha voz transmitir um certo tom de comando ainda me sinto como o menino medíocre da minha infância, o jóquei vencido que monta o matungo perdedor e o soldado raso em sua felicidade ingênua e obediente.

Em meu peito, escondido sob uma beca lustrosa que impõe respeito e temor ainda bate um coração subalterno e submisso esperando sempre por ordens a serem cumpridas.