Sobre Meninas que Abraçam o Vento
"Não olhe atrás da porta" – era o nome do livro. Livro de Lia Neiva.
Recebeu todas as mordomias de presente querido por criança, e foi colocado no meu armário com todo carinho, junto com os outros livros: Lembro de ter medo de abri-lo, de tê-lo contemplá-lo por horas antes da coragem maior que me impulsionaria a prosseguir na leitura de todos os contos. Contos que eu leria um atrás do outro sem piscar de olhos.
Havia um conto que mexia comigo mais do que todos "A menina que abraçava o vento". Era uma menina que vivia num mundo só seu e que ficava horas abraçando o vento. Por fazer só isso em sua vida, ao invés de brincar como as outras crianças, sofria com o preconceito dos vizinhos que a consideravam esquisita, e mais tarde, uma ameaça. O conto sempre me emocionava.
A verdade é que havia um segredo naquele livro grosso e de contos estranhos, quase assustadores... Como um velho livro de magias, um feitiço era lançado todas as vezes que eu virava suas páginas, sobretudo, as da história da menina. O feitiço ia me impregnando e abrindo todas as portas fechadas de meus quartos escuros para acordar sentimentos adormecidos, mas já existentes em mim. "Não olhe atrás da porta". Mas eu abri. Sem pedir licença para seguir, olhava reto para a luz ofuscante, abrindo o peito. E segui sem jamais virar o rosto, permiti que todos os personagens me tocassem e olhassem através de mim, ao mesmo tempo que olhava através deles. Deixei todo o feitiço ser absorvido até não restar mais nenhuma gota. Fui outra.
Pela primeira vez eu soube que um oceano inteiro morava e mora aqui dentro até hoje. Oceano que a todas as horas me arremessa contra minhas paredes com sua ressaca incontrolável, para me machucar, me acordar e me mostrar que estou viva.
"Agora não vou mais abraçar o vento. Agora eu sou o vento." Era ela (a menina do conto) gritando para mim ao final. Fora, na frente de todos aqueles que a descriminaram, transformada em ar. Se era se era diferente, estranha, aquilo não importava mais. Estava livre.