Bola de neve
Foi uma manhã de segunda-feira. O sol resplandeceu como de costume. Juliana acordou meio desacreditada dos dias, tomou seu banho, seu café que sua mãe preparou e foi para o cursinho.
Ao sair, se deparou com cachorrinhos abandonados, fez-lhes carinho e não conseguiu entender o que levou alguém a abandoná-los. Seguiu um pouco e tropeçou em um pedaço de madeira, alguém jogou um guarda-roupa fora bem no meio da calçada. Seu ônibus chegou, então entrou e disse “Bom dia!” ao motorista e… silêncio, “Acho que não está sendo um bom dia para ele também” indagou.Um aglomerado de pessoas entraram e nem todas conseguiram se sentar, mas Juliana sentou-se na ultima fileira encostada na janela. Um homem a olhou de forma estranha e a fez sentir-se desconfortável, então percebeu uma movimentação de mãos muito estranha debaixo da mochila dele que estava no colo. Ela congelou e nada disse, não foi a primeira vez que isso aconteceu e sabia que nada seria feito a respeito.
Seu ponto chegou, ela desceu do ônibus e seguiu em direção a estação de trem. E novamente avistou pessoas correndo para conseguirem se sentar. Então ouviu cochichos a respeito de uma tal terapia de reorientação sexual e ficou sem entender nada, afinal, por que querer reorientar algo que primeiramente, não pode ser mudado e segundo, não faz mal? Juliana então lembrou de todos os assédios que sofrera e nada havia sido feito. Das pessoas que encontravam-se sem teto. Das crianças abandonadas a própria sorte. Da natureza sendo degradada dia após dia. Dos animais abandonados. Dos homens do poder que só fazem tirar de quem já não tem quase nada. Das pessoas morrendo nas filas dos hospitais por falta de repasse de verbas ao sistema único de saúde. Dos jovens que não podem estudar, pois constantemente há confronto entre policiais e bandidos nas periferias. As mães que choram suas perdas, filhos que morrem por balas perdidas. Dos discursos de ódio sendo aplaudidos por tantos. Das religiões de matrizes africanas que são constantemente demonizadas. Dos tutores que correm por todos os lados sem saberem o que fazer, visto que há um grande índice de desemprego. Professores da rede pública que vão trabalhar, mas não fazem ideia se poderão levar o arroz e o feijão para a mesa de suas famílias, já que nunca sabem quando irão receber. Policiais militares que saem sem saber se irão voltar para casa. Idosos que mesmo depois de tantos anos de trabalho e já sendo aposentados, necessitam de continuarem trabalhando pois não podem se manter com a aposentadoria. Pessoas trans que não possuem seus direitos resguardados pela constituição, mesmo com o Brasil sendo o país que mais mata transexuais no mundo e continuamos chamando todos estes crimes de tudo, menos de transfobia. Pleno século 21 e ainda temos diversos casos de injurias raciais e racismo. Mulheres que são agredidas e a única coisa que sabem dizer é “Em briga de marido e mulher, não se mete a colher.”
Por fim, pegou-se pensando em Alice, a garota que fazia seu coração bater mais veloz. Juliana amava Alice, ela conseguia ser a única pessoa que a fazia permanecer-se de pé e enxergar algo de bonito no meio de tanta coisa feia nesse mundo.
Que pais é esse, que ter direitos se tornou privilégio, o que é violento fica imune, existir tal como somos é ato de resistência e amar é motivo de castigo?
Naquela mesma manhã, Juliana desceu do vagão e foi abordada por 4 homens. Eles a agrediram e chamaram-na de “abominação” por carregar um botton em sua mochila
com as cores da bandeira LGBTIQ. Juliana não chegou ao cursinho e nem voltou para casa. Ela foi mais uma estatística dentre tantas outras. E agora, será que Alice vai ser uma estatística também?