Assim ou ... nem tanto. 137
A Diva
Nada havia para fazer. Tudo o que poderia ser trabalho e diversão lhe estava vedado. Que se preocupasse com o corpo, a dieta, a elegância. Ele queria-a sempre arrumada, cheirosa, bem vestida. Era uma ordem e as dele eram, sempre, para cumprir. Nem amor, nem amizade existiam naquela relação. Havia dinheiro, segurança e um gordo que comia sem parar, dormia roncando, que amava como um touro apressado e gritava frustrações correndo pelos salões da mansão. Exibia-a como adereço, usava-a sem contemplações, sem nunca ser gentil ou cordial. Muitas vezes pensou em deixá-lo mas nada sabia fazer que pudesse dar-lhe estabilidade. Muitas vezes pensou em matá-lo mas nunca arranjou coragem nem força. E acabou por ceder. Couraçou-se de indiferença e pagou com o corpo o cio breve do marido. Ficava, depois, livre para se cuidar, dar atenção à pele, aos dentes, ao cabelo, à roupa. Aprendeu o que havia para aprender como se fosse um modelo profissional e passeou-se na sociedade como importante. Fez-se valer. Ostracizou, escolheu, acompanhou. Não ria abertamente, suportava as lentes que lhe mudavam a cor dos olhos, sustinha-se nos sapatos de salto muito alto, não comia para manter a pintura da boca e a alvura dos dentes. Sorria permanentemente e o tema das suas conversas era fútil. A sua presença foi sempre disputada mesmo quando a idade lhe passou a impor tratamentos agressivos e lhe deu aquele ar esticado e preso. Um dia acordou outra vez gente. Comeu tudo o que lhe apeteceu, descurou os cabelos e não usou cremes. Recusou as lentes, tirou o verniz das unhas e deu férias à beleza. - Ainda estás assim? Perguntou-lhe o marido. - Vou ficar assim. Leva por mim o diamante na gravata.