ANTROPOFAGIA

Nem sempre fomos o vilão da história. Houve até quem disse que a colonização do Brasil foi uma antropofagia cultural através de assimilação de outras culturas. Uma troca e inversão de valores de ordem econômica, política, religiosa e acima de tudo a cultural. Consumimos vorazmente as ideias que nos são lançadas, fazendo com que nossa identificação se transforme em outra num curto espaço de tempo.

Não somos canibais, até porque não sentimos prazer em comer carne humana, mas somos antropófagos, vivendo num ritual de trocas e empréstimos de ideias que nos fazem crer que o consumismo exacerbado e fomentado pela mídia é o alimento que nos fortifica frente aos tempos modernos.

A ciranda cirandinha, o pular amarelinha, o radinho de pilha e tantas outras simplicidades se transformaram com o passar do tempo em funk, happies, jogos eletrônicos e aparelhos multimídias de variadas espécies. A assimilação dos novos tempos mudou de geração para geração uma identificação inteira. Somos antropófagos. Comemos a cada dia mais e mais diferentes experiências do mundo contemporâneo e acreditamos que esse ritual antropofágico é uma verdadeira necessidade face a evolução que corre a luz do tempo.

Tudo é necessário nos dias de hoje. Basta olhar na televisão quase ultrapassada ou nas redes sociais para que aguce o desenfreado consumismo que esses canais nos remetem quase que instantaneamente. Brincar de amarelinha, já nem se sabe o que é. A cantiga da Ciranda Cirandinha que brinquei não faz muito tempo, não tem mais vez e não mais faz sentido. Celular, antropofagia, internet, antropofagia, redes sociais, antropofagia.

Agora acredito que nem sempre fomos o vilão da história. A literal antropofagia praticada por nossos aborígines era apenas um ritual onde o que se consumia, não era o pedaço da carne humana, mas na verdade se consumia a força do inimigo que servia para os fortificar ainda mais.

E hoje, diante de tantas abstrações de um tempo futurista, o que significa antropofagia? Não se tem mais ideia de certo nem errado, de inocente ou culpado. A idéia é que tudo é comestível. Posso comer tudo que vem do outro. Apenas pelo simples fato de que nosso mais novo ritual é a valorização do ter sobre o ser através do consumismo famigerado.

Paulo Roberto Fernandes
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 24/04/2018
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