Conheci muitas gerações de profissionais.
Quando comecei a trabalhar na 'Ford" eu era muito jovem, ainda um estudante, e como nada era informatizado , se necessitava de um grande contingente manuseando pilhas de documentos todos os dias. O trabalho era pesado , ouviam-se as dezenas de máquinas de escrever sem parar, os tantos telefones tocando e gente correndo de um lado para outro. Tudo me parecia meio assustador.
Convivi com pessoas que haviam se iniciado na década de quarenta e cinquenta, e ninguém era formado , eram práticos , e a maioria metódico também. Os mais jovens tinham mais instrução, quase todos eram de meia idade, gente cheia de malandragem , aprenderam com a vida, mas abraçavam os novatos lhes passando vivência e picardia.
Tentavam nos desinibir saltando piadas picantes; " Hei , boy ...você sabe a diferença de chupar uma mulher e uma laranja ? - " Não, eu não sei...!"- Todos rindo : " Esse aí nunca chupou laranja...".
Tinha um velhote que para não dividir seu lanche com ninguém, primeiro o lambia inteirinho. Achava aquilo muito engraçado.
Havia um senhor grego , muito educado e instruído, ele liderava a equipe do "follow-up", profissionais que trabalhavam nas ruas. Ele era rigoroso, e era muito respeitado. No início não gostei dele, mas o fui conhecendo pouco a pouco, e se tornou um grande amigo. Aprendi muito com ele.
Todos tinham uma mesa enorme com muitas gavetas, e um telefone preto com seu próprio ramal, e podíamos ligar à vontade, nada era proibido. Mas ninguém ligava para casa, pois as pessoas não tinham linha em suas casas, com raras exceções. Como não existiam emails, nem computadores, o telefone não parava de tocar.
As pilhas de papeis chegavam aos borbotões, e tínhamos que adquirir uma prática estonteante para despachar tudo aquilo , sem erros. No começo deu vontade de sair correndo, mas a gente vai pegando jeito . Não demorou muito contava as folhas mais rápido que um bancário, uma prática que nunca esqueci, as enumerava com a outra mão com o numerador. Quando me tornei um "kardexista" ( trabalho no kardex), ficava de pé o dia inteiro praticamente, e aprendi a usar as mãos com extrema agilidade. O fone ficava preso pelo ombro, mantendo as mãos livres, a esquerda virava as gavetinhas com rapidez, e a direita segurava três canetas de cores diferentes, trocando-as com os dedos , como um mágico.
Aprendi a "bater a máquina" ( assim se dizia), com velocidade, mesmo tendo feito datilografia, os métodos de um ensinando o outro também funcionava bem - Meu Deus, como datilografei na vida ! Fui aprendendo muitas funções, e cobrindo férias dos colegas com regularidade. Evoluí bastante e ganhei promoções, o esforço traz recompensas.
Tirei a carta de habilitação, e lá aprendi a dirigir de tudo, de Jeep até caminhão, pois apareciam trabalhos externos que não se podiam recusar, faziam parte da função. Quanto mais pessoas preparadas , melhor, pois havia muito trabalho e não havia tempo de um "mamãe me dói...", transpiração pura, às vezes até carregando mercadorias.
As chefias eram rigorosas, não havia muita psicologia mas havia muito mais amizade do que hoje. Podia-se levar uma bronca daquelas, e meia hora depois era como se nada tivesse acontecido.
No final da minha estadia na empresa, já aposentado, ainda trabalhando por dois , já olhava para o lado de fora, sentia que nada daquilo se parecia mais comigo, que aquela gente nova não tinha nada a ver comigo, mesmo os que eu preparava para a função, e que foram muitos. Notava um imediatismo, as pessoas pareciam descartáveis, faltava calor humano, os chefes não queriam saber quem eram os seus comandados, quanto menos soubessem melhor. A empresa se esforçava em promover eventos participativos, para aproximar as pessoas, integrar, mas tudo não passava de fachada. Não havia naturalidade !