Uma provocação
1. Pediram-me, amigos românticos que me cercam, uma página sobre um poeta. Concederam-me, de logo, o privilégio de escolher livremente o vate sobre o qual desejasse escrever. Considerei o pedido da negada uma provocação, mas aceitei-o sem pestanejar.
2. Uma provocação porque - e eles sabiam disso - como modesto prosador, minha intimidade com os mestres da rima não é lá tão robusta; muito longe da que mantenho com um sem-número de cronistas, de ontem e de hoje, ocupantes, por isso, de um bom espaço nas minhas estantes.
3. Não pretendo dizer com isso que, nas mesmas estantes, não esteja, também, a poesia de Artur Azevedo, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cora Coralina, Castro Alves, Bilac, Quintana, citando, apenas, alguns vates de minha preferência.
4. Poesia de primeira como a de Artur Azevedo (1855-1908), no soneto "Vem". -
"Escrúpulos?...Escrúpulos!... Tolice!...
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traz teu beijo ao encontro do meu beijo
E deixa-os lá dizer que isso é doidice!
Não esperes o gelo da velhice,
Não sufoques o lúbrico desejo
Que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?...Farias mal ?... Quem disse?
Ora o dever! - o coração não deve!
O amor, se é verdadeiro, não ultraja
Nem mancha a fama embora alva de neve.
Vem!... que o teu sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
E outra vida melhor talvez não haja!
5. Se como disse, pelos amigos, de distantes patuscadas, me foi dado o direito de escolher o vate sobre o qual devia falar, faço-o, em linhas modestas mas com imenso carinho, trazendo à minha página o poeta paulistano Álvares de Azevedo.
6. O autor de "Lira dos Vinte Anos" morreu no dia 25 de fevereiro de 1852, no Rio de Janeiro, quarenta e seis dias após cair de um cavalo na capital paulista. Tinha 21 anos; nascera no dia 12 de setembro de 1831.
7. Como homenageá-lo? Homenagea-se os poetas, já disse algumas vezes, lembrando ou recitando os seus versos. É o que faço agora, trancrevendo um belo soneto de Álvares de Azevedo intitulado "O lenço dela". Esse poema, deixem-me confidenciar, leva-me de volta a um passado já muito distante, mas bom de ser relembrado... sempre!
8. Se por acaso ela... se encontrar com esta crônica, agora ilustrada pelo soneto do Álvares de Azevedo, se lembrará, com certeza, do dia em que choramos juntos, limpando nossas lágrimas com o mesmo lenço, cheirando a jasmim...
9. Assim versejou o poeta Álvares de Azevedo, meu homenageado: - "O Lenço Dela - Quando a primeira vez, de minha terra/ Deixei as noites de amoroso encanto,/ A minha doce amante suspirando/ Volveu-me os olhos úmidos de pranto. == Um romance cantou de despedida,/ Mas a saudade amortecia o canto!/ Lágrimas enxugou nos olhos belos.../ E deu-me o lenço que molhava o pranto. == Quantos anos contudo já passaram!/ Não ouvido porém amor tão santo!/ Guardo ainda num cofre perfumado/ O lenço dela que molhava o pranto... == Nunca mais a encontrei na minha vida,/ Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!/ Oh! quando eu morra estendam no meu rosto/ O lenço que eu banhei também de pranto!"
10. Rubem Braga, de 1953 a 1956, na revista "Manchete", e de 1976 a 1990, na "Revista Nacional", dando à sua coluna o título de "Apoesia é necessária", dvulgou poemas de inúmeros poetas brasileiros, tecendo ligeiros comentários sobre o autor de cada um deles.
11. Entre os vates escolhidos pelo Sabiá da Crônica está Álvares de Azevedo. E desse belo sonetista, o autor de "Ai de ti Copacabana" transcreve versos encantadores, e os elogia abertamente.
12. Por exemplo. Antes de desencarnar, comenta Braga, Álvares de Azevedo escreveu: "Eu deixo a vida como deixo o tédio/ Do deserto, o poento caminheiro..."
E o que seria um último pedido do poeta: "Descancem o meu leito solitário/Nas florestas dos homens esquecidos/ À sombra de uma cruz, e escrevam nela/ - Foi poeta - sonhou e amou a vida!"
13. Por fim, essa pérola: "Se eu morresse amanhã, viria ao menos/ Fechar meus olhos/ minha triste irmã./ Minha mãe de saudades morreria/Se eu morresse amanhã."
Disse Rubem Braga, fechando seus comentários: "Versos dos mais simples e tristes da poesia brasileira." Sim!
Alô, negada, missão cumprida?
Fiz o possível...
1. Pediram-me, amigos românticos que me cercam, uma página sobre um poeta. Concederam-me, de logo, o privilégio de escolher livremente o vate sobre o qual desejasse escrever. Considerei o pedido da negada uma provocação, mas aceitei-o sem pestanejar.
2. Uma provocação porque - e eles sabiam disso - como modesto prosador, minha intimidade com os mestres da rima não é lá tão robusta; muito longe da que mantenho com um sem-número de cronistas, de ontem e de hoje, ocupantes, por isso, de um bom espaço nas minhas estantes.
3. Não pretendo dizer com isso que, nas mesmas estantes, não esteja, também, a poesia de Artur Azevedo, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cora Coralina, Castro Alves, Bilac, Quintana, citando, apenas, alguns vates de minha preferência.
4. Poesia de primeira como a de Artur Azevedo (1855-1908), no soneto "Vem". -
"Escrúpulos?...Escrúpulos!... Tolice!...
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traz teu beijo ao encontro do meu beijo
E deixa-os lá dizer que isso é doidice!
Não esperes o gelo da velhice,
Não sufoques o lúbrico desejo
Que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?...Farias mal ?... Quem disse?
Ora o dever! - o coração não deve!
O amor, se é verdadeiro, não ultraja
Nem mancha a fama embora alva de neve.
Vem!... que o teu sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
E outra vida melhor talvez não haja!
5. Se como disse, pelos amigos, de distantes patuscadas, me foi dado o direito de escolher o vate sobre o qual devia falar, faço-o, em linhas modestas mas com imenso carinho, trazendo à minha página o poeta paulistano Álvares de Azevedo.
6. O autor de "Lira dos Vinte Anos" morreu no dia 25 de fevereiro de 1852, no Rio de Janeiro, quarenta e seis dias após cair de um cavalo na capital paulista. Tinha 21 anos; nascera no dia 12 de setembro de 1831.
7. Como homenageá-lo? Homenagea-se os poetas, já disse algumas vezes, lembrando ou recitando os seus versos. É o que faço agora, trancrevendo um belo soneto de Álvares de Azevedo intitulado "O lenço dela". Esse poema, deixem-me confidenciar, leva-me de volta a um passado já muito distante, mas bom de ser relembrado... sempre!
8. Se por acaso ela... se encontrar com esta crônica, agora ilustrada pelo soneto do Álvares de Azevedo, se lembrará, com certeza, do dia em que choramos juntos, limpando nossas lágrimas com o mesmo lenço, cheirando a jasmim...
9. Assim versejou o poeta Álvares de Azevedo, meu homenageado: - "O Lenço Dela - Quando a primeira vez, de minha terra/ Deixei as noites de amoroso encanto,/ A minha doce amante suspirando/ Volveu-me os olhos úmidos de pranto. == Um romance cantou de despedida,/ Mas a saudade amortecia o canto!/ Lágrimas enxugou nos olhos belos.../ E deu-me o lenço que molhava o pranto. == Quantos anos contudo já passaram!/ Não ouvido porém amor tão santo!/ Guardo ainda num cofre perfumado/ O lenço dela que molhava o pranto... == Nunca mais a encontrei na minha vida,/ Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!/ Oh! quando eu morra estendam no meu rosto/ O lenço que eu banhei também de pranto!"
10. Rubem Braga, de 1953 a 1956, na revista "Manchete", e de 1976 a 1990, na "Revista Nacional", dando à sua coluna o título de "Apoesia é necessária", dvulgou poemas de inúmeros poetas brasileiros, tecendo ligeiros comentários sobre o autor de cada um deles.
11. Entre os vates escolhidos pelo Sabiá da Crônica está Álvares de Azevedo. E desse belo sonetista, o autor de "Ai de ti Copacabana" transcreve versos encantadores, e os elogia abertamente.
12. Por exemplo. Antes de desencarnar, comenta Braga, Álvares de Azevedo escreveu: "Eu deixo a vida como deixo o tédio/ Do deserto, o poento caminheiro..."
E o que seria um último pedido do poeta: "Descancem o meu leito solitário/Nas florestas dos homens esquecidos/ À sombra de uma cruz, e escrevam nela/ - Foi poeta - sonhou e amou a vida!"
13. Por fim, essa pérola: "Se eu morresse amanhã, viria ao menos/ Fechar meus olhos/ minha triste irmã./ Minha mãe de saudades morreria/Se eu morresse amanhã."
Disse Rubem Braga, fechando seus comentários: "Versos dos mais simples e tristes da poesia brasileira." Sim!
Alô, negada, missão cumprida?
Fiz o possível...