SEU VIZINHO

Na minha infância no bairro que eu morava existia um sujeito o qual todo mundo o tratava de seu Vizinho, nunca descobri o nome correto dele, penso que a maioria das pessoas também não sabia seu nome verdadeiro, pois era tratado por todos pelo seu apelido. Ele era um negro alto, beirando 1,90, magro que perambulava pelo bairro servindo de chacota para todo mundo. Os adultos zombavam dele, pagavam pinga para vê-lo mais humilhado enquanto a garotada a maioria sentiam medo dele, pois suas mães quando queriam dar um corretivo nos mesmos ameaçavam chamar o seu Vizinho para amedrontá-los, era uma “forma eficaz” de seus rebentos entrarem nos eixos. As donzelas viam neste negro uma ameaça para sua virgindade, corriam ou mudavam de calçada quando avistavam, porém não se eximiam em fazer escárnio do mesmo. Mas também tinham aqueles moleques corajosos (ou não) que acompanhavam a zombaria dos adultos e corriam atrás do infeliz jogando pedra e ameaçando bater com pedaços de paus. Se não me falha a memória eu nunca vi o mesmo bater em algum moleque, mas vez ou outra dava um corridão em alguém para assustá-los ou uma forma que o mesmo encontrava para não sentir-se tão humilhado. Também havia algumas senhorinhas, coisa rara é claro, que se condoíam com aquela situação em especial aquelas cujos maridos eram partícipes das barbáries com o velho negro. Corria um falatório a boca pequena que o mesmo era bem de vida, sargento reformado da marinha, que um dia em sua vida tivera uma decepção amorosa, quer dizer, fora traído pelo grande amor de sua vida. O mesmo não suportando tamanho sofrimento entregou-se ao vício da bebida se afundando cada vez mais até parar na rua, seu novo e sofrido lar. Na verdade ele morava com uma irmã, que segundo as más línguas ela “administrava” aposentadoria do mesmo, mas diante dos fatos a mesma não aguentou o velho negro e o colocou para fora de casa permitindo somente que o mesmo adentrasse a sua casa para se alimentar ou mesmo fazer sua higiene pessoal quando o quisesse, coisa rara de acontecer. Uma coisa é certa, apesar da vida errante que levava estava sempre a sorrir para todos como também era bem quisto por alguns moradores do bairro. O Sr. Hercílio, barbeiro do bairro não cobrava seu corte de cabelo, como também aparava sua barba em troca de um sorriso, de um gracejo. A dona Alba dona do armazém, meio contrariada servia o copo de pinga pago por seus “amigos”. Não fazia mal a ninguém, dizia que esta era sua sina e não tinha como voltar atrás. Penso que habitava em seu interior uma gritante angústia, um sofrimento sem fim onde o infeliz nunca tivera coragem ou não encontrara oportunidade para dirimir as mágoas de um coração dilacerado. O tempo passou, eu cresci e do velho negro esqueci. Nunca mais houvera falar do seu Vizinho. Penso que ficara esquecido na memória daqueles que o conhecera, daqueles que com ele convivera. Eu na minha inocência não entendia aquela situação e sem perceber sofria ao vê-lo ser humilhado por todos. Com certeza eu não tinha uma capacidade intelectual para compreender o que levava um ser humano a uma situação tão degradante como também as pessoas serem insensíveis para com o outro. Hoje na minha maturidade, relembrando este ser, vejo o quanto ele sofreu interiormente com as humilhações tanto dos adultos como dos moleques mais afoitos. Os moleques também estavam na mesma situação que a minha, não tinham discernimento dos fatos, incapacidade intelectual para uma análise mais profunda, e quanto aos adultos? O que levava os mesmos a agirem desta forma? E olha que a maioria deles se diziam cristãos, frequentavam a missa todos os domingos, comungavam e eram assíduos frequentadores dos confessionários. Quem sabe ele de onde está não esteja rezando para os seus algozes, perdoando-os? O ser humano deve ser respeitado em qualquer situação que esteja. Todos nós fazemos cada qual a sua história, seja ela floreada de rosas e jasmins ou mesmo rodeada de espinhos. Alguns escrevem sua história de uma forma romanceada, rimada, tendo início, meio e fim. Impecável na ortografia com letras bonitas, trabalhadas, desenhadas. Por outro lado existem pessoas que não conseguem escrever a sua história de uma forma sincronizada. Seus temas são desconexos, letras garranchadas, desalinhadas, erros gramaticais quase intoleráveis, mas nem por isso ele deixou de escrever a sua história. Quando iniciamos a leitura de um livro devemos ter em mente que, o que está escrito em suas páginas reflete a realidade de quem o escreveu. Devemos entender ser este o conteúdo necessário a tal narrativa, pois cada um tem a sua forma experimental de escrever. Sejamos tolerantes para com o outro. Antes de julgarmos vamos reler o livro de sua vida, pois com certeza nas entrelinhas iremos encontrar frases que justifiquem todo o enredo apresentado por mais absurdo que este seja. Não podemos esquecer que diante do grande Arquiteto do Universo somos todos iguais, com as mesmas oportunidades de apreender, crescer e errar. Ele nos dá chances várias para nos redimir de nossos tropeços, então porque julgar o outro? Porque se auto julgar? Porque julgá-lo? Nós somos os únicos responsáveis pela nossa história, pois o papel e a caneta estão em nossas mãos prontos para serem manipulados por nós e mais ninguém. Somos os únicos e verdadeiros autores deste best-seller da vida. A sua maneira, seu Vizinho escreveu a sua história, poderia ter outro conteúdo sim, mas assim o quis que fosse deste modo. Namastê velho negro.

Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 20/04/18

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 20/04/2018
Reeditado em 20/04/2018
Código do texto: T6313934
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