DESABAFO

Filha de advogado correto, ou seja, sempre aprendi a andar na linha, a fazer tudo direitinho seguindo a lei, a ética, a ter disciplina, a ser honesta, a ser correta baseando minhas ações na justiça. Claro que já devo ter sido injusta nessa vida, afinal sou HUMANA, isso já explica essa dor que agora sinto no peito.

Cansada de andar na linha e a minha volta todo mundo andar na corda bamba, isso cansa muito!

Se pago uma conta aprendi a pedir recibo, meu pai já dizia:'' QUEM PAGA MAL, PAGA DUAS VEZES''!.

Aqui em Itabira eles não gostam de dar recibo... Gostam de deixar a porta aberta, de confiar na palavra... Poxa vida, eu um dia confiei na palavra e um empregado me levou na Justiça. Certo ele, boba eu que confiei na palavra.

Em Itajubá os vizinhos já me cobravam a falta das cadeiras na varanda, depois que cadeiras de 50 kg foram roubadas eu desisti de sentar na varanda, ponto de encontro com os vizinhos, que eu tanto prezava, gostava. Desisti de deixar a porta aberta depois que adolescentes entravam roubando nas casas, meu pai achava ruim, ele era acostumado na casa da minha avó a ficar de porta aberta...Outros tempos... Meu Deus, que tempo bom era aquele que eu vivi na infância, que aprendi com meu pai a confiar nos clientes e nunca cobrar na Justiça pois senão jamais teria mais clientes...E olha que levei uns canos preciosos, mas ainda bem, da minoria. Aqui tenho um consultório numa casa sem contrato, só vale a palavra, e baseado na palavra as colegas de clínica confiaram na secretária que nos roubou descaradamente, e elas confiando na tal palavra... Meu coração hoje está pesado, trabalho com a palavra, sei quando o outro está mentindo, omitindo, sonegando informação, afinal são 36 anos de treino, de prática, de clínica, a maturidade faz toda a diferença sim. Tenho horror de dever, tenho horror de pagar conta fora do prazo, mas já fiquei devendo, já paguei conta fora do prazo, como todo Brasileiro já passei meus perrengues. Já ganhei muito obrigada como pagamento, e seguindo o exemplo do meu pai que muitas vezes recebia pagamento com galinha, bolão de fubá, já trabalhei quase de graça e com muito entusiasmo. Aprendi que o doente mental psiquiátrico é muitas vezes mais são que muitos dos seus clínicos, aprendi a respeitá-los com todo o meu amor. Hoje estou gripada, indisposta, cansada; talvez por isso pese tanto o '' tudo por um tanto'', o deixar rolar do jeito que der, que for possível. A porta está aberta, a varanda repleta de cadeiras, o vizinho pronto a me servir um delicioso café com pão de queijo. As pessoas por aqui ainda se importam com o outro, mas ainda assim é meio assim assim, sabe como ?

A vida é composta por ciclos, estou virando mais um, mais um desafio, uma jornada solar diferente.

Incomodo-me com o destino do Mundo, com a guerra travada por aqui, ali e lá. Com os seres amados distantes, com os que já fizeram a passagem, com os que sobraram ...

Quarenta e três anos sem meu avô materno e a saudade do :'' QUEM É QUE MANDA NA BAGUNÇA DESSA CASA?''

Tanto tempo se passou....Tanta coisa passou, tanta vida vivida, tantos sustos, tantas alegrias, tantas conquistas, tantas perdas...

Hoje a reticência faz a festa, não pode mas adoro a reticência, fala muito de mim, sempre com muito a dizer.

TUDO PASSA. TUDO SEMPRE PASSARÁ!

Vou virar a página, trancar o portão, colocar o whatsapp pra funcionar, desligar o fogo, queimar o arroz, escolher o feijão, assar a mandioca e torcer o pepino.

Vou a luta e tratar de ficar boazinha, sem espirros e tosses.

Desculpem esse desabafo, talvez nem entendam, mas não tem muito a compreender, basta viver.