ENFIM, SÓ!

De Elmo Férrer

Personagens:

Mariza

Atendente 01-João

Atendente 02-Cleiton

ATO ÚNICO

Um café no centro da cidade. Mariza está sentada à uma mesa onde há um prato com restos de um sanduíche e um copo vazio de suco de laranja. Ela está focada em um livro chamado “razões para ser feliz”.

Os dois atendentes a observam.

JOÃO- Ela não pediu mais nada?

CLEITON- Mais nada!

JOÃO- Nem olhou no celular?

CLEITON- Nem isso, acredita? Não desgrudou o olho daquele livro.

JOÃO- Contando que chegou aqui as nove e já são quase meio dia, lá se vão quase três horas.

Mariza olha o relógio no pulso, abre o cardápio e levanta a mão. João vai à sua mesa.

JOÃO- Pois não senhora?

MARIZA- Você me vê um espaguete com bastante molho, bastante queijo, uma água com gás e um suco de melancia, por favor.

JOÃO- Mas alguma coisa?

MARIZA- Só isso, obrigada!

JOÃO- Desculpe mas a senhora espera alguém?

MARIZA- Hoje não mais! –volta a leitura.

JOÃO- Tudo bem, com licença.

João coloca o pedido em um possível balcão.

CLEITON- Ela pediu o quê?

JOÃO- Espaguete com muito molho e muito queijo.

CLEITON- Então pelo visto ela não segue nenhuma dieta.

JOÃO- Possivelmente, mas pediu um suco de melancia, melancia tem antioxidante, então ela de alguma forma se preocupa com a saúde não é?

CLEITON- Veja só, ela mais cedo pediu um X-Burguer e um suco de laranja, algo muito gorduroso e algo mais natural. Agora fez isso de novo. E o mais surpreendente é que ela não postou uma foto do que comeu e nem sequer mexeu no celular até agora.

OS DOIS- Estranho!

JOÃO- Já sei, matei a charada. Ela deve ter separado do namorado e está afogando as mágoas na comida.

CLEITON- E os sucos naturais?

JOÃO- Vai ver ela se toca em algum momento de que está fugindo da dieta e pede um suco.

CLEITON- Será? E o livro?

JOÃO- Pra manter a mente ocupada, menino.

CLEITON- Faz sentido.

Ouve-se o toque da sineta, João vai ao balcão e pega o pedido.

JOÃO- Com licença senhora, seu pedido.

MARIZA- Ah sim, obrigada.

Ele ajeita tudo a sua mesa, pede licença e se retira. Ela come como se comer fosse sua única preocupação naquele momento.

JOÃO- Ela não postou.

CLEITON- Nada.

JOÃO- Sabe que a gente ouve falar sobre pessoas assim mas não acredita que realmente elas existam, até que as vemos pela primeira vez.

CLEITON- Pessoas assim como?

JOÃO- Depressivas.

CLEITON- Depressivas?

JOÃO- Ou deprimidas, não sei ao certo como chamar, mas olha só, nada me tira a idéia que saindo daqui ela possa cometer suicídio.

CLEITON- Você acha isso mesmo?

JOÃO- Não duvido nada. Ela está gozando dos últimos prazeres da vida antes de por um fim em tudo.

CLEITON- Coitada. Não, não deve ser isso. Ela nem terminou com o namorado nem vai se matar, já sei. Ela não tem ninguém. Não arruma namorado, não deve ter família nem amigos. Pra ela,coitada, resta apenas a própria companhia.

JOÃO- Faz sentido. Olha lá, terminou, vai você agora.

Cleiton dirige-se à mesa.

CLEITON- Com licença, posso retirar?

MARIZA- À vontade.

CLEITON- A senhora gostaria de uma sobremesa, café.

MARIZA- Café, sem açúcar, por favor.

CLEITON- Certo, com licença.

Cleiton vai ao balcão, pega o café e leva a sua mesa. Deposita a sua frente e como um dois de paus , a observa.

MARIZA- É só isso mesmo, obrigada! – volta ao livro.

CLEITON- Ah sim, de nada.

Cleiton volta a João.

CLEITON- Ela pediu café sem açúcar.

JOÃO- Nem adoçante?

CLEITON- Nem.

JOÃO- Essa talvez seja uma das mulheres mais misteriosas que já vi.

CLEITON- Uma pessoa que não se comunica com ninguém , não mexe no celular, só come e lê.

OS DOIS- Estranho!

Mariza dá um grande suspiro, fecha o livro e levanta a mão.

CLEITON- Sua vez.

João vai à mesa.

MARIZA- Por favor a conta e a maquina de cartão.

João sai e volta com a máquina.

JOÃO- Débito ou crédito?

MARIZA- Débito.

Ao fim do procedimento com o cartão, João lhe entrega sua via.

JOÃO- Muito obrigado.

MARIZA- Eu que lhe agradeço João, a você e ao Cleiton.

JOÃO- Como sabe nossos nomes?

MARIZA- Está no crachá de vocês.

JOÃO- Ah,é.

MARIZA- Passar bem.

JOÃO- A senhora também.

Mariza sai, Cleiton se aproxima.

JOÃO- Ela pagou no débito.

CLEITON- É independente.

JOÃO- E ela falou meu nome e o seu, Cleiton.

CLEITON- Como ela sabia nossos nomes?

JOÃO- Está no nosso crachá.

Os dois simultaneamente olham pro crachá um do outro, se olham.

JOÃO- E o nome dela é Mariza.

CLEITON- Como você sabe?

JOÃO- Estava no cartão dela.

Fim.

Elmo Férrer
Enviado por Elmo Férrer em 15/04/2018
Código do texto: T6309208
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