PROTESTAR TÁ VALENDO
Claudio Chaves
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A repercussão social e o simbolismo da morte de uma pessoa estão diretamente relacionados não apenas à posição que esta ocupa ou às ações que exerce, mas, fundamentalmente, aos porquês motivadores de ambas coisas. Isso é fato.
Honestamente, não creio que minhas parcas ponderações farão grandes alterações no caótico atual cenário nacional. Pelo menos para desencargo de consciência, porém, as registrarei.
Refiro-me especificamente às diversas manifestações nas redes sociais relacionadas os assassinatos da vereadora e ativista de Direitos Humanos Marielle Franco (RJ, 14/03/2018) e da policial militar Caroline Pletsch (SC, 26/03/2018), mais diretamente sobre as comparações e classificações retóricas e grotescas a respeito dos casos.
Tais postagens expõem, entre outras, manifestações como: “A repercussão da morte da PM na Imprensa não foi igual a da morte da vereadora porque aquela era branca, de olhos azuis; não era favelada; não era homossexual, era contra o aborto, defendia a família e não era militante de esquerda”. Ou: “Ao motorista [Anderson Gomes] a imprensa não deu o mesmo destaque; o papa não ligou pra família das outras vítimas; os Direitos Humanos...”
Há verdades incontestes em todas essas assertivas. Mas há mais do que isso. Há, o que é temerário e reprovável, a clara intenção de macular a honra e a imagem de uma pessoa em nome não de fazer justiça a outra [usada apenas por questão de oportunismo e conveniência], mas de exaltar e promover questões puramente ideológicas, o que, mais que patético, chega a ser patológico.
Se não todas, a maioria das pessoas responsáveis por tais postagens, em outros momentos, já acompanharam a execução de vários outros PMs. Por que não fizeram repercutir dessa forma? Por que não estabeleceram tais comparações?
Não resta dúvida que a morte de qualquer ser humano – e até mesmo de outros animais –, principalmente quando provocada por outro humano, e de forma brutal, cruel e por razões torpes, causa comoção e indignação, e deve suscitar em todos nós, no mínimo, o desejo de justiça. Chega a ser risível, porém, estabelecer tais comparações, principalmente da forma tão pejorativa como estão fazendo – deplorável!
A repercussão social e o simbolismo da morte de uma pessoa estão diretamente relacionados não apenas à posição que esta ocupa ou às ações que exerce, mas, fundamentalmente, aos porquês motivadores de ambas coisas. Isso é fato.
Eu poderia, nesta abordagem, apresentar uma síntese curricular de ambas pessoas, apontando os devidos destaques de cada caso. Isso, porém, além de enfadonho ao leitor e desrespeitoso à memória de ambas, é completamente desnecessário. Tentarei ser mais pragmático.
Para tanto, destacarei cinco históricos exemplos: John Kennedy, Abraão Lincoln, Juscelino Kubistchek, Davi e Jesus Cristo.
O presidente estadunidense John Kennedy foi assassinado à luz do dia, quando era conduzido no carro oficial da Presidência e se encontrava rodeado de seguranças. Quem sabe o nome de algum dos seguranças ou do motorista que guiava o carro?
O motorista que dirigia o carro de Juscelino Kubistchek quando da ocasião do acidente (ou suposto) que ceifou a vida do ex-presidente do Brasil também morreu na hora. Alguém sabe o nome dele?
E dos 32 seguranças que, durante as 24 horas do dia, cercavam Abraão Lincoln, presidente dos Estados Unidos assassinado em 1865, alguém sabe o nome de algum deles?
A Bíblia registra que, dentre os valentes de Davi, havia alguns que, sozinho, derrotaram um exército inteiro. Qual deles tem o nome, assim como o rei judeu, imortalizado na História?
E, por fim, quantos outros filhos de carpinteiro e amigos de pescadores não foram crucificados no Império Romano – talvez até no mesmo dia –, assim como Jesus Cristo? Por que só ele causa comoção até hoje? Quantos milhares de soldados romanos, da mesma época de Cristo, perderam suas vidas para defender o Império e seus cidadãos de bem? Por que por nenhum deles se fez manifestações, procissões, protestos, homenagens, etc.? Por que em nome de nenhum deles se ergue catedrais até hoje e se organiza cruzadas, seja através de espadas ou através de Bíblias?
Simples! Por trás (e acima) de pessoas como Kennedy, Kubistchek, Lincoln, Luther King, Madre Tereza, Gandhi, Davi, Chico Mendes, Galdino Pataxó, Jesus Cristo e Marielle Franco existe algo que vai muito além da pessoa em si. Este algo chama-se figura pública, que, em termos de notoriedade e influência, é muito superior a qualquer cargo o função pública, por mais elevados e relevantes que estes sejam.
A notoriedade, o destaque, a repercussão não está associada, repito, diretamente ao cargo ou função – ou até se não existe cargo algum – que a pessoa exerce (policial, vereador, deputado, padre, pastor, estudante, ativista político, ambientalista, indígena, homem, mulher, hétero, homo, preto, branco, ateu, crente...), mas as formas: como exerce e, principalmente, como chegou a tal função.
É simplesmente tosco comparar a repercussão do assassinado de uma liderança política com a de um servidor público. É óbvio que se trata, em ambos casos, de seres humanos, cidadãos íntegros, pessoas idôneas e merecedoras do respeito e da compaixão de todos os seus pares. Porém, as equivalências devem se limitar por aqui, no que respeita as condições de humanidade e cidadania. Querer expandir tal equivalência para o campo da ação política, mais do que foçar uma situação, é subestimar a capacidade de raciocinar de uma sociedade inteira e desrespeitar o sentimento das famílias de ambas vítimas...deplorável!
Protestar não só tá valendo (e valerá sempre), como, além de fazer parte (aliás, essencial) do jogo democrático, é imprescindível à afirmação de todos, tanto como indivíduo quanto, e principalmente, sociedade.
Agora, escamotear-se sob o manto de protestante de uma causa nobre apenas para tentar menoscabar, desqualificar, desconstruir, criminalizar, denegrir, invizibilizar um desafeto (ou apenas alguém com posições ideológicas diferentes) e sua biografia, mais que leviandade, é venalidade, sordidez mesquinharia e um apequenamento tamanho que nem as mais primitivas e rudes sociedades e, principalmente, a memória das partes merecem.
Os que, de qualquer dos lados, usam de tal expediente são tão criminosos quanto (ou mais que) os que dispararam contra as vítimas. Isso é mais do que o cúmulo do cúmulo, é repudiante, é repugnante, é inaceitável, é inclassificável.