O PÁSSARO CATIVO

O PÁSSARO CATIVO

Na sua juventude um pássaro fêmea voava livre pelas matas comendo as sementes que a natureza lhe oferecia e bebendo água nos riachos. Suas asas eram pequenas e mas suas "penas" leves, o que o permitia ir e vir ao sabor da sua vontade e da corrente de ventos amenos.

Um dia deparou-se com uma linda gaiola de ouro puro, que reluzia ao sol. No seu interior havia alpiste e água fresca. Estava dependurada à sombra de uma frondosa mangueira e balançava ao movimento imprimido pela brisa que soprava. Foi atraída pelo brilho do metal e pelo conforto deste refúgio oferecido. Entrou e se instalou.

Alimentou-se regiamente, como nunca antes. Fartou-se da água fresca e adormeceu de barriga cheia. Quando acordou, bem mais tarde, viu que a bacia de comida havia sido abastecida e o recipiente de água trocado e repleto. Voltou a comer do bom e do melhor e a beber o quanto podia.

Pensou: "Porque ir para o duvidoso e incerto na mata?" Na gaiola tinha tudo que precisava. A porta continuava aberta e sempre poderia mudar de idéia e voltar ao seu habitat natural.

Permaneceu imóvel, usufruindo o que parecia o paraíso: sombra, água fresca, comida farta e dormir sossegada porque os ramos da árvore a protegiam do sol e da chuva. Seu tronco largo não permitia que ventos fortes derrubassem sua morada.

Nesta ilusão, foi se enchendo de gula, preguiça e lassidão. A indolência a levava a dormir em berço esplêndido e o pássaro não se sentia cativo, uma vez que a porta da gaiola permanecia aberta.

Seu volume corporal foi aumentando; suas pequenas asas cresceram e as penas, antes leves, foram ficando pesadas pelo orgulho, vaidade e egoísmo. Não se dava conta de que invisíveis correntes a prendiam; de que não era mais livre, mas mantida em belo cativeiro.

De que se queixar? Nada lhe faltava, assim pensava!

Um dia, um belo e colorido macho esvoaçou ao seu redor. Pousou em um galho e cantou, chamando pela fêmea que estava adormecida, depois do banquete da véspera. Ela abriu os olhos e se encantou com a visão. Teve vontade de juntar-se ao seresteiro. Mas suas pernas finas não agüentaram o peso do corpo. Suas asas, de tanto estarem fechadas não se abriam mais. Gemeu!

O macho veio até ela estimulando-a a acompanhá-lo. Mas ela, prisioneira do seu egocentrismo e da sua vaidade, não teve coragem de confessar-se incapaz. Preferiu fingir que, ficar ali, era melhor que voar com ele para o desconhecido.

Pobre pássaro, que achava que a vida era só comer, beber e dormir. Não sabia que, não havia manjar mais saboroso, do que a liberdade. Não sabia partilhar com as outras aves a alegria de voar para novos horizontes, beber da água de outras fontes e em diferentes paragens descansar. Pensava que nada era mais gratificante que seu palácio/prisão.

O macho se foi em busca de outra fêmea, com quem pudesse se acasalar e criar descendentes.

Outras aves fizeram o mesmo apelo e, ela se confessava incapaz de atender os chamados e abrir mão de sua segurança.

O tempo passou e a solitária passarinha, finalmente percebeu o que fizera consigo. E agora? Haveria ainda possibilidade de mudar de idéia? Dizem que enquanto há vida, há esperança. Mas como? Seu corpo não passava mais pela porta aberta.

Lembrou-se de que, há muito tempo, havia pousado num galho de árvore no pátio de um colégio. A professora lia um grosso livro que chamava de Bíblia. Contava às crianças que o Criador havia feito o céu e a terra, povoado os oceanos com peixes e o espaço com pássaros. Que Ele era o Todo Poderoso e, amava tanto sua criação, que mandou Seu Filho ao mundo para o salvar.

Esta passarinha infeliz, em sua gaiola de ouro, com alpiste e água fresca, não queria mais este lugar, este buraco onde se metera. Desejava recuperar sua liberdade. Resolveu chamar por socorro. Seu primeiro gesto na vida de reconhecimento do seu erro e do seu arrependimento do mesmo.

O Criador, o Pai de toda a criação ouviu seus rogos e mandou seu Filho para ajudá-la. Sua Pessoa era uma linda visão. Seu rosto suave e sua expressão amorosa. Vendo-O o pássaro fêmea pediu-lhe que fizesse um milagre e que, num passe de mágica, ela pudesse sair dali e buscar os seus.

Com sua voz harmoniosa o Filho de Deus lhe disse que não era mágico. Que a única coisa que podia fazer era ensinar-lhe os meios que, se executados de maneira correta, poderia permitir-lhe sair da gaiola. Ela deveria banhar-se na água, em vez de bebê-la; esfregar-se no alpiste, em vez de comê-lo. Deveria repetir isto por tanto tempo quanto ficara inativa e adquirido aquele volume que a impedia de passar pela porta aberta. Que mexesse suas asas a cada instante, para reativar os músculos enrijecidos pelo desuso. Este exercício contínuo poderia fortificá-las.

- E depois, perguntou o pássaro, doido para saber quando iria ter com o macho colorido que a havia convidado há tanto tempo atrás.

O Filho de Deus lhe disse que nem Ele poderia saber se isto era possível porque, o livre arbítrio, depende de cada criatura e, este pássaro talvez tivesse encontrado outra fêmea e com ela criado sua família. Ou tivesse morrido de amor por ela, presa ao seu orgulho e vaidade.

- E aí, não há esperança?

- Sim. Sempre há esperança. Enquanto há vida e vontade de viver. Qual é o tamanho do seu desejo?

- Não sei, respondeu honestamente, o pássaro.

- Então, entre dentro do seu coração e faça um inventário de tudo que encontrar.

- O que é inventário?

- É uma lista onde constam todos os objetos de valor, sem valor, quebrados, intactos, usados, ainda na embalagem original, etc... Tudo que há lá dentro tem que constar do inventário.

- E depois, perguntou o desanimado pássaro?

- Depois separe num canto o que está inútil, jogue fora do seu coração e empurre para fora da gaiola. Volte ao interior que já deverá ter mais espaço e faça nova busca. Veja se não esqueceu uma mágoa velha ou um sentimento de vingança atrás da mágoa. Se encontrar, jogue fora e recomece a busca até ver que as piores coisas foram descartadas. Então procure uma flanela e comece a limpar o que tem valor: o amor, que estava empoeirado; a compreensão, que perdeu o seu brilho; a solidariedade que está em pedaços e precisa ser colada. Faça uma cola com um pouco de saliva e areia de amizade. Esta liga é boa e vai juntar os cacos. Envernize-a com lágrimas de arrependimento e verás que a solidariedade nem parece que se quebrou. Abra as janelas do seu coração para o ar e o calor do sol entrarem, dando brilho especial ao seu tesouro; porque estas coisas são as que têm valor para fazer a sua felicidade.

- E depois, perguntou a ave?

- Depois experimente ver se o seu corpo passa pela abertura da porta; se conseguir sair, não tente voar. Tenha a humildade de descer até o chão, usar suas pernas finas e caminhar antes de prosseguir a sua jornada, disse o Filho de Deus que ensina mas não faz o trabalho de cada um.

O pássaro fêmea desejou, de verdade, reconquistar a sua liberdade e trabalhou arduamente durante todo o tempo necessário para conseguir o que queria.Desanimava às vezes; cansava e se angustiava outras, pensando ser uma missão impossível. Se recriminava pela imbecilidade de ter pensado que a vida era tão pequena e se resumia no conforto do corpo. Se esqueceu dos valores do coração que, embora fazendo parte do corpo, guarda o tesouro.

Com muito esforço e perseverança a fêmea conseguiu sair da gaiola dourada. Do lado de fora olhou para trás e não viu o brilho que a atraíra. O alpiste era mofado, velho; a água estava suja, poluída, contaminada. Como fora possível ter pensado que conseguira um prêmio sem ter trabalhado para obtê-lo? Nas competições esportivas só o melhor o consegue. É que a gaiola de ouro era ilusão do prêmio. O verdadeiro, só aquele que o Filho de Deus lhe ensinara a conquistar. Agora ela sabia. A Esperança, espanada da poeira, brilhava em seu olhar. Estava livre e não precisaria ficar esperando pelo macho. Iria ao encontro dele, para completar a sua felicidade, conquistada com a Fé nas palavras divinas e com a Caridade, em Pessoa, que viera visitá-la.

Vai, pássaro, voa para o seu destino!

São Conrado, 4 de julho de 2007

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 30/08/2007
Código do texto: T630854
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